terça-feira, 6 de julho de 2010

PARECER SOBRE ZEE BR163

LEIAM COM ATENÇÃO A PARTIR DO Nº 4
FUNDAÇÃO RIO PARNAÍBA – FURPA




PARECER Nº. 001/2009 – FURPA/SAMAN

PROCESSO MMA/CONAMA Nº. 02000.000229/2009-16
INTERESSADO: ESTADO DO PARÁ
RESUMO: ZEE DA ÁREA DE INFLUÊNCIA DA BR-163 – OESTE DO PARÁ


Manifesta-se sobre a Proposta de Recomendação ao Poder Executivo Federal autorizar a redução, para fins de recomposição, da Área de Reserva Legal dos imóveis situados nas Áreas Produtivas (Zonas de Consolidação e Expansão) definidas no artigo 5º, inciso I, da Lei Estadual nº. 7243, de 9 de janeiro de 2009, do Estado do Pará.


1 – Histórico do processo

1.1 - O Poder Executivo Estadual do Pará sancionou a Lei nº. 7243, em 9 de janeiro de 2009, dispondo sobre o Zoneamento Ecológico-Econômico da Área de Influência das Rodovias BR-163 (Cuiabá-Santarém) e BR-230 (Transamazônica) no Estado do Pará – Zona Oeste, encaminhada pelo Governo Estadual do Pará ao Ministério do Meio Ambiente, aprovada pela Comissão Ministerial Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico do Território Nacional, após então encaminhada pela citada Comissão para apreciação e deliberação do Conselho Nacional do Meio Ambiente. O CONAMA enviou-a e pediu pela sua aprovação em reunião conjunta entre a 49ª Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos e a 19ª Câmara Técnica de Gestão Territorial e Biomas, o que motivou a inclusão da matéria na pauta da 93ª Reunião Ordinária do CONAMA, realizada em 11 de março de 2009, cujo processo recebeu pedido de vista da Fundação Rio Parnaíba – FURPA, representante das Entidades Ambientalistas da Sociedade Civil no CONAMA, por razão da necessidade de maiores estudos e considerações, pela qual se apresenta este Parecer.

2 – O Zoneamento Ecológico-Econômico

2.1 – Considerações do pesquisador Henri Acselrad, professor-titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em artigo intitulado “Zoneamento Ecológico-Econômico: entre a ordem visual e mercado-mundo ”, revelam que o debate sobre o planejamento territorial da Amazônia passou a incorporar elementos do discurso ambiental somente a partir da segunda metade dos anos oitenta.
2.2 - Em relação ao Zoneamento Ecológico-Econômico - ZEE, instrumento metodológico e elemento ordenador do território regional, o autor aponta que “criado em 1990, o Programa de Zoneamento Ecológico-Econômico do governo federal, que inicialmente compreendia apenas a Amazônia Legal, teve, em 1992, sua abrangência ampliada para todo o território nacional”. Discorre o autor:

“...” O prestígio do Zoneamento como instrumento promissor de um ordenamento territorial ecologizado difundiu-se desde então com força através dos distintos momentos em que programas e instrumentos legais, hierarquias, pacotes financeiros e redesenhos institucionais foram sendo propostos para o planejamento na Amazônia por governos sucessivos. O Programa Nossa Natureza, em 1989, a Comissão Coordenadora do ZEE da Amazônia criada em 1990 e o Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais financiado pelo G7, com início em 1991, são alguns marcos deste processo. Ao longo das diferentes conjunturas, o ZEE foi assumindo diferentes conteúdos, mais ou menos restritos ao domínio interno das burocracias públicas, de agências de desenvolvimento, consultorias técnicas, e com maior ou menor existência concreta efetiva (...) na realidade sócio-política do território amazônico. Nestas conjunturas, em que condições de financiamento internacional, pactações políticas regionais e nacionais, bem como pressões de movimentos sociais internacionais e locais, variaram em sua configuração e peso relativo, a idéia do ZEE foi sendo demarcada por distintas ênfases, motivações e estratégias argumentativas “...” (Acselrad, 2004).

2.3 - Consultor do então Programa de Zoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal – PZEEAL, o economista Manfred Nitsch , que em 1993 atuou na região como pesquisador do programa de cooperação científica bilateral Brasil-Alemanha, associado ao Programa Piloto do Grupo dos Sete (PPG-7), qualificou o ZEE como “um instrumento ecológica e socialmente contraproducente, sustentado por uma aliança eco-tecnocrata que une o velho autoritarismo ao novo ecologismo”.
2.4 – O consultor, que posteriormente trabalhou como pesquisador-visitante do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), quando da elaboração do “Detalhamento da Metodologia para Execução do ZEE pelos Estados da Amazônia Legal”, argumenta que em diversas discussões públicas, suas contribuições foram internalizadas na base do planejamento do zoneamento, porém, afirma que incorporou-se somente parte de suas críticas, “no nível semântico”, sem que tivessem tomado a sério o seu conteúdo . O pesquisador reclama que os problemas científicos fundamentais e as conseqüências políticas e ecológicas das metodologias básicas do ZEE sofrem do problema fundamental de não refletir a diferença (...) básica entre o que é (Sein, em alemão) e o que deve ser (Sollen, em sua língua materna), em relação aos estudos científicos relacionados ao território amazônico. Segundo o pesquisador:

“...” Hipostasiar ou definir o deve ser da futura situação de homem e natureza num certo território (...) reflete certas tradições positivistas e tecnocratas do século passado, por tanto tempo já vencidas (...). Por isso, se eliminou a palavra “vocação“ dos textos mais recentes. Porém, não se captou a essência da crítica, que não foi semântica, mas fundamentalmente de conteúdo do exercício “...” (Nitsch, 1998).

2.5 – Segundo o pesquisador, o aspecto que problematiza ecologicamente as metodologias utilizadas para o planejamento do ZEE, diz respeito à vocação de suas “Zonas”, no sentido de indicação, no território, do que deve existir ou não existir. Segundo o consultor do PPG-7, Manfred Nitsch, o afã de “determinar a vocação de todos os sub-espaços que compõem um certo território” (Apud Ab’Saber 1989:4) contém outro aspecto altamente problemático do ZEE, qual seja, o fato de que “todos os sub-espaços” (...) deveriam ser mais estudados, levando em consideração “que sem esses estudos não se pode avançar no ordenamento territorial” (ibid Ab’Saber 1989). O pesquisador aponta que:

“...” A palavra “determinar“ na citação de Ab’Saber dá a oportunidade de elaborar sob um aspecto fundamentalmente deficiente na “Metodologia“. Seria injusto insinuar um “determinismo“ strictu sensu somente a partir do uso da palavra “determinar“, mas, que nos seja permitido refletir um pouco sobre as implicâncias do termo como conceito científico e, além disso, como base para um planejamento pragmático.
“...” O fato de que, na prática, não se chega ao ideal, mas se pode somente “aproximar“ a ele, não invalida o ideal, porém faz dobrar o esforço de estudar mais e mais detalhadamente a realidade. Um sem número de “diagnósticos“, elaborados dentro dos escritórios ZEE, testemunham a inspiração nitidamente newtoniana do exercício, como sugerido na “Metodologia“.
“...” A crença no determinismo científico não é prejudicial, se aplicado a um universo que mais ou menos obedece a esse tipo de lei, como, por exemplo, a astronomia. Porém, já no começo do século XX descobriu-se, com o desenvolvimento da teoria quântica e outras, que nem a natureza não-biológica funciona assim, e muito menos a biologia, sem falar da sociedade humana .
“...” A distinção que os economistas fazem entre “risco“ (que pode ser dominado pela lei dos grandes números e o cálculo de probabilidade, tipo contratos de seguro) e “incerteza“ (pleno desconhecimento do futuro, não redutível por diagnósticos e refinamento dos conhecimentos de leis) é também útil para a discussão das conseqüências que emanam de um planejamento sem ou com insegurança “...” (Nitsch, 1998).

2.6 - O pesquisador afirma que “as conseqüências das estratégias seguidas na Amazônia são altamente inseguras, tanto com respeito ao clima global e local, como ao valor da biodiversidade e das muitas espécies ainda não estudadas ou até descobertas”, e que “sob esse ponto de vista, os maiores riscos e perigos de um lado, e as maiores oportunidades de outro lado, vão determinar as prioridades”.
2.7 - “No campo aberto do futuro não se trata de “aproximar-se“ do ponto da verdadeira “vocação“ de “cada subespaço“, reduzindo cada vez mais as opções, até chegar ao ponto “ótimo“, mas de evitar riscos óbvios e minimizar processos irreversíveis de destruição de futuras riquezas”. Emenda o autor:

“...” Por exemplo, na “Agenda Amazônia 21“ (MMA 1997) encontra-se sonoras palavras sobre “a extraordinária potencialidade da região para liderar o processo de implantação em grande escala de uma civilização moderna de biomassa...” (p. 8) e assim “reatando, a um outro nível da espiral de conhecimentos, o contato com a tradição das grandes civilizações da biomassa“ (p. 29). À primeira vista, é obviamente bonito, porém a idéia poderia facilmente inspirar os lobbys dos madeireiros, como também dos fazendeiros de oleaginosas e açúcar, para uma estratégia já, hoje e amanhã, de uso maciço da biomassa para fins energéticos. A alternativa seria de levar a sério a “matriz energética multifontes“ (p.47), também incluída na “Agenda Amazônia 21“, protegendo a biomassa na Amazônia como riqueza e Patrimônio Nacional, com valores e atributos muito além de seu uso energético “...” (Nistch, 2004).

2.8 – As considerações acima são importantes para que se possa compreender a natureza intrínseca das metodologias de Zoneamento Ecológico-Econômico do governo federal, que, somada a outras contribuições e indagações a respeito, leva ao entendimento da problemática do ZEE amazônico. O pesquisador Philip Fearnside, em artigo sobre o desmatamento na Amazônia , já há algum tempo alerta para o avanço das fazendas de oleaginosas e dos empreendimentos madeireiros, cujos setores de atividades serão os mais beneficiados pelo ZEE proposto. Aponta Fearnside:

“...” Atualmente, o avanço das plantações de soja na região apresenta-se como a maior ameaça, com seu estímulo para o investimento maciço do governo em infra-estrutura, como hidrovias, ferrovias e rodovias. O desenvolvimento da infra-estrutura desata uma cadeia traiçoeira de investimento e exploração que pode destruir mais florestas do que as próprias plantações (Fearnside, 2001c). As estradas para retirada de madeira, especialmente para extração de mogno, precedem e acompanham as rodovias, tornando as fronteiras acessíveis para o investimento dos lucros do comércio da madeira em plantações de soja e fazendas para a criação de gado. A extração da madeira aumenta a inflamabilidade da floresta, levando às queimadas do sub-bosque que colocam em movimento um ciclo vicioso de mortalidade de árvores, aumento da carga de combustível, reentrada do fogo e, por fim, destruição total da floresta. O que começou como um desmatamento não detectado conduz a um estrago detectável como desmatamento nas imagens de satélite Landsat (Cochrane et al., 1999; Nepstad et al., 1999b). A infra-estrutura de transporte acelera a migração para áreas remotas e aumenta o desmatamento de propriedades já estabelecidas. O programa Avança Brasil, um pacote de desenvolvimento para o período de 2000-2007, incluiu US$ 20 bilhões para infra-estrutura na região da Amazônia (Laurance et al., 2001; Nepstad et al., 2001; Fearnside, 2002a), a maioria voltada à necessidade de transporte de soja. As rodovias (...) BR-163 (Santarém-Cuiabá) e a BR-319 (Manaus-Porto Velho) (...) possibilitam o acesso a grandes blocos de floresta pouco alterada “...” (Fearnside, 2005).

3. Ordenamento do território. Para quem?

3.1 - Em relação ao ZEE enquanto representação de uma ordem territorial, Acselrad (2004) considera que “explicitamente, os mapas do ZEE “ordenam e dão ordens”; seus referentes não estão antes, mas depois de sua elaboração. Seus enunciados são mais perfomáticos do que constatativos . (...) Enquanto ato de comunicação persuasiva, a cartografia do ZEE produz imagens retóricas que constroem realidades socioespaciais novas. (...) Os signos cartográficos reordenam paisagens, submetendo-as a projetos que se pretendem subordinados a determinismos ecológicos, criando efeitos de verdade suficientemente fortes para calar dúvidas e interrogações, e, sobretudo, obscurecer, por detrás de um espaço abstrato e instrumental, a presença dos poderes da representação cartográfica e da prescrição zoneadora”. Na lição de Henri Acselrad:

Um duplo mecanismo de poder liga-se, no entanto, à produção do ZEE. Um poder que se exerce sobre as práticas do zoneamento através das exigências externas das hierarquias políticas, e um poder que se exerce pelo saber cartográfico e classificatório, pelo modo como os zoneadores criam uma concepção do espaço, ou seja, um poder incorporado à própria retórica do ZEE. Em certos momentos, entretanto, estes poderes podem se chocar, exprimindo a ocorrência de ruídos nas correias de transmissão entre hierarquias políticas e instâncias técnicas. Este foi, por exemplo, o caso do desencontro de expectativas entre a SAE e o IBGE com relação ao Diagnóstico Ambiental da Amazônia encomendado a este último. Enquanto a SAE pretendia obter uma caracterização das potencialidades econômicas contidas nos recursos naturais amazônicos, os técnicos do IBGE dispunham-se a registrar os vetores políticos da ocupação da região, neles pretendendo incluir os conflitos e as marcas dos grandes projetos governamentais .

3.2 - Nas considerações acima pode ser vislumbrado que toda uma abordagem metodológica para zonear o espaço amazônico “termina por não reconhecer a singularidade irredutível da cultura humana”, resultante da “vontade de ajustar cada uma de suas porções a um projeto utilitário de integração mercantil ou de subordinação política ”, em “zonas idealizadas” que se mostram de todo incompatíveis com as realidades sociais existentes na região.
3.3 – Entretanto, muitas vozes têm se levantado da sociedade paraense, englobando desde representantes de movimentos sociais, cidadãos moradores das cidades da região, até chegar aos povos que convivem e vivem da floresta, como os casos das comunidades tradicionais e indígenas situadas na área de influência da BR 163, que não somente foram impossibilitados de receber informações com linguagens acessíveis acerca do zoneamento, quanto, por outro lado, não foram mobilizados no processo de participação pública, não obstante o fato de que já sofrem a competição desigual pelo território, de parte dos grupos econômicos atuantes na região.
3.4 - Um exemplo contundente é a situação das comunidades da denominada Gleba Nova Olinda I, localizada no Oeste do Estado do Pará – região alvo do ZEE em estudo. A destinação dessa área é emblemática quanto ao já comentado sobre as metodologias definidas para o zoneamento proposto pelo governo paraense, entre “o que é” existente localmente, e “o que deveria ser” proposto pelos mapas do ordenamento territorial em análise.
3.5 - Comunidades tradicionais, empresários do setor de exploração madeireira e o próprio governo do Estado do Pará estão envolvidos na disputa pelas áreas da Gleba Nova Olinda I, trazendo à tona reflexões relevantes de como se processa o reconhecimento do Estado a esses grupos sociais, ao mesmo tempo em que tenta incorporar esses últimos ao projeto do setor madeireiro da região.
3.6 – Antecedendo a lei que dispõe sobre o ZEE da região Oeste do Pará, o governo do Estado instituiu, em 06 de maio de 2005, o Macrozoneamento Ecológico-Econômico (MZEE), através da Lei nº. 6745. Este MZEE, em seu artigo 5º, definiu a Gleba Nova Olinda – palco de conflitos entre as comunidades tradicionais e os empresários madeireiros – como zona destinada à consolidação de atividades produtivas.
3.7 – Ora, a região Oeste do Pará registra atualmente uma triste realidade envolvendo casos de expropriações, violência e grilagem de terras, além de diversos e recorrentes crimes ambientais provocados por madeireiras, mineradoras e grandes plantios de soja, causados pela expansão consentida de “nova fronteira desenvolvimentista” da Amazônia. Nesta área conflituosa localiza-se a referida Gleba Nova Olinda, onde vivem 14 comunidades compostas por 266 famílias, em um território de 206 mil hectares, localizado entre o rio Aruá e o rio Maró, contíguo à Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns. Há mais de treze anos que essas comunidades tradicionais buscam serem reconhecidas pelo Estado.
3.8 – Antes da RESEX Tapajós-Arapiuns ter sido criada por decreto federal, as comunidades da Gleba Nova Olinda lutavam para que sua área fizesse parte da mesma. Porém, em 6 de novembro de 1998, a RESEX foi instituída e a área das comunidades de Nova Olinda ficou fora de seus limites. Atualmente, há um movimento dessas famílias para que seu território seja contemplado como projeto de Assentamento Extrativista, como também a reivindicação que a área onde vivem três de suas comunidades pertencentes à etnia Borari seja reconhecida como Terra Indígena.
3.9 – Desde 2002, com a chegada na Gleba Nova Olinda de empresas madeireiras, começaram os conflitos decorrentes da apropriação insustentável do meio em que vivem suas comunidades, com diversos impactos indesejáveis causados pela derrubada da floresta nativa e degradação do solo e da água, decorrentes da prática madeireira. Ressaltando-se que, ao contrário da ocupação histórica e de baixo impacto ambiental dessas comunidades, as atividades madeireiras instalaram-se com altos impactos locais, e de maneira ilegal, conforme pode ser atestado nas infrações ambientais autuadas pela gerência executiva do IBAMA do Pará (2007).

4. Sociedade civil e participação.

4.1 – Um fator preponderantemente crítico na proposta do ZEE da BR-163 é a precariedade de sua “sustentabilidade” política, pelo fato de ausência da plena participação das comunidades tradicionais e da sociedade em seu planejamento. A pretensão do ZEE quanto à administração da utilização social do espaço se deu sem a utilização dos espaços democráticos e transparentes de participação popular, de modo que garantisse a máxima difusão das informações em linguagem acessível às comunidades afetadas, e a plena participação social nos debates e nas decisões. Nesse contexto, a ausência da construção efetiva dos necessários pactos políticos para a sustentação do ZEE, acabou por se refletir no ritmo acelerado com que o governo do Estado do Pará e o MMA tentam impor ao ritmo de encaminhamento do processo, visando a aprovação sem maiores discussões da proposta de recomendação em análise, uma vez a pouca disposição observada nesses entes públicos para a promoção da efetiva participação social.
4.2 – De acordo com o analista ambiental da Gerência Executiva do IBAMA do Estado do Pará, Daniel Cohenca, em artigo intitulado Notas sobre o ZEE da BR-163 , “a lei que dispõe sobre o Zoneamento Ecológico-Econômico da Área de Influência [da] BR-163 (...), sem maiores discussões, passa rápido pela Assembléia Legislativa estadual – foi enviada em 01/11/08 e aprovada em 17/12/08 (...)”.
4.3 – É notória a também rapidez do processo no Conselho Nacional do Meio Ambiente, cuja entrada no protocolo se deu encaminhada pelo Governo Estadual do Pará em 19/12/08, e aprovada em 05/02/09 pela Comissão Coordenadora Nacional do Zoneamento Ecológico-Econômico, após então encaminhada para apreciação e deliberação do CONAMA, em 06/02/09, que deliberou pela sua aprovação em 18/02/09 em reunião conjunta entre a Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos e a Câmara Técnica de Gestão Territorial e Biomas, que então a remeteu para consideração plenária em 11/03/09, na 93ª Reunião Ordinária do CONAMA.
4.4 - Percebe-se, nitidamente, no trâmite desse processo, a pressa dos governos federal e estadual do Pará, o que impediu o ZEE de ser discutido com mais efetividade junto às comunidades tradicionais e a sociedade civil - motivo do pedido de vista da representação das entidades ambientalistas. Em seu artigo, o analista ambiental do IBAMA confirma a estratégia de detrimento da discussão participativa do ZEE em favor da celeridade do seu processo, com o seguinte depoimento:

“...” Em setembro de 2008 é realizada reunião em Santarém, em que através de ofício a SEPE/PA solicitava confirmação para participação – a confirmação deveria se dar via email, que (sic) sempre retornava por erro de grafia no ofício/convite. Dava-se a impressão de ser uma reunião fechada, pouquíssimas entidades foram convidadas para esta reunião acontecida em uma manhã de sábado.
“...” Durante a reunião, segundo o secretário [da SEPE/PA] (sic) prevista para ser apenas uma apresentação e não consulta pública, formularam-se várias críticas a pontos específicos, que demonstravam que o Zoneamento atendia muito mais aos interesses da agricultura mecanizada de extensas áreas do que ao potencial característico de conservação e desenvolvimento sustentável que esta região possui.
“...” Foi bem argumentado pelos poucos presentes que as populações tradicionais do Oeste paraense têm histórico de convivência sustentável e que a redução da reserva legal beneficiaria principalmente a grileiros e ilegais desmatadores, não sendo uma vontade da maioria da população. Em especial o artigo 10 do ZEE proposto, que previa a compensação de 100 por cento da reserva legal por áreas protegidas já existentes. Ou seja, fim da reserva legal para quem tem dinheiro para pagar ao Estado a sua compensação.
Depois soube que a discordância à proposta do ZEE BR 163 também havia ficado evidente em reunião de apresentação em Belém. Apesar disso, as notícias divulgadas pela agência oficial do Governo do Estado dava a proposta como amplamente consultada, estudada e aceita . (Cohenca, 2009)

5. Comunidades tradicionais e indígenas, direitos e equidade ambiental.

5.1 – O processo de ordenamento territorial do ZEE da BR-163 dá margem à interpretação de zonificação privilegiada à consolidação das atividades produtivas, conforme os interesses dos setores agrícola e madeireiro, em negação do pluralismo existente nessas áreas, expresso pelos povos e comunidades tradicionais e indígenas que vivem nessa região de influência. Em um primeiro momento, essa negação acontece quando o Estado do Pará não reconhece o direito dos povos e comunidades tradicionais de participar e decidir o seu processo de desenvolvimento econômico, social e cultural, em atendimento ao ítem I do art. 7º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT:

“...” Os povos indígenas e tribais deverão ter o direito de decidir suas próprias prioridades no que se refere ao processo de desenvolvimento na medida em que afete suas vidas, crenças, instituições e bem estar espiritual, e as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, deverão participar da formulação, implementação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de os afetar diretamente. (Convenção 169 da OIT).

5.2 – Em um segundo momento, após movimento de mobilização e resistência das comunidades tradicionais para reivindicar o reconhecimento de suas identidades e territorialidades junto ao Estado do Pará, este se dispõe somente a incorporar as comunidades ao projeto de destinação de suas áreas como pólos de produção madeireira, afirmando-as como zonas de consolidação produtiva, buscando convence-los da exploração florestal das áreas das comunidades a partir de planos de manejo comunitário. Assim, a opção por um projeto de desenvolvimento - expresso tacitamente no ZEE a partir da imposição de lógicas de vocações econômicas do espaço, sobrepõe-se ao reconhecimento da territorialidade, de pertencimento dos “modos de expressão, de criar e de fazer ” das comunidades tradicionais, na área de influência da BR-163.
5.3 – De acordo com a Convenção Internacional do Trabalho (OIT), o caráter participativo atribuído aos povos indígenas e às comunidades tradicionais deve, então, ir mais além da mera consulta ou mesmo da audiência pública – embora nem esses institutos tenham sido regularmente contemplados. O que se pode atestar da falta de participação da sociedade e das comunidades no processo de (i) legitimação do ZEE proposto, é a inversão da vontade coletiva pela vontade do representante, servindo para consolidar apenas os interesses privativos dos grupos hegemônicos que atuam na Amazônia brasileira.
5.4 – Em artigo acerca das distinções no campo jurídico sobre as comunidades tradicionais , a pesquisadora Judith Costa Vieira, Mestre em Direito Ambiental pela Universidade Estadual do Amazonas, discorre sobre o reconhecimento formal da existência e importância dos diversos grupos sociais na formação da identidade nacional, rompendo com a idéia de que o Brasil, a exemplo de outros lugares do mundo, é formado por uma sociedade de direitos homogêneos. A pesquisadora ensina que:

“...” O cenário político brasileiro assiste, hodiernamente, à emergência de novos sujeitos sociais coletivos que reivindicam reconhecimento perante o Estado. Tais sujeitos apresentam formas culturais diferenciadas e instituem ‘práticas sociais’ caracterizadas, principalmente, por um modo peculiar de viver. (...) Tais grupos minoritários tem recebido o nome de populações, comunidades ou grupos tradicionais “...”.
“...” Comumente, o debate em torno da luta das diversas populações tradicionais pela sua afirmação territorial frente a outros grupos, deixa de considerar o papel ativo destas populações na formulação de propostas de reivindicação no debate político, atribuindo ao poder público o poder único de dizer direitos na sociedade, o que queda por desmerecer as conquistas já galgadas por esses grupos no plano institucional “...”.
“...” Oportuno dizer, dentro desse contexto, que às reivindicações das comunidades tradicionais, além da preocupação com a terra, são incorporados outros fatores como os elementos étnicos, de gênero, de autodefinição e, inclusive, critérios ecológicos, os quais são responsáveis pelas especificidades das reivindicações.
“...” Isso significa que - para o reconhecimento do direito de permanecer em seus territórios, as comunidades tradicionais acionam argumentos que colocam a área ocupada como espaço social onde se desenvolvem suas relações e, mais que a luta pela permanência em um território qualquer, lutam para viverem do modo como socialmente construíram, do modo como tem sentido e valor viverem, e como essas práticas foram construídas num território específico - é necessário defender a permanência, enquanto grupo, na área reivindicada “...” (Vieira).

5.5 – Discussões recentes que envolvem o Direito e a Justiça com as questões socioambientais remetem à reflexão sobre novos conceitos que envolvem estas temáticas vinculadas. Como, por exemplo, à constatação de que há direitos que não servem, pura e simplesmente, mecanicamente, aos interesses das classes dominantes , entendendo-se que “os direitos humanos são um conjunto de normas que formalizam todas as reivindicações morais e políticas que, no consenso contemporâneo, todo o ser humano tem ou deve ter perante a sua sociedade. Estas reivindicações devem ser reconhecidas como “de direito” e não apenas por graça ou caridade”.
5.6 - Por esse prisma da universalização dos direitos, não se deve perder de vista a necessidade de garantir o “mínimo ético irredutível” dos direitos humanos. “A única saída para esta dificuldade é colocar, antes de tudo, o Direito de cada povo, grupo social, cultura, modo de viver, de acordo com seus valores, suas normas, sua moral, seus direitos e deveres ”. No Brasil, diferenciam-se, na população, além dos indígenas, as populações tradicionais – que incluem (...) [extrativistas], quilombolas, quebradeiras de côco babaçu, [entre outros grupos].
5.7 - Nesse contexto, a Rede Brasileira de Justiça Ambiental - RBJA, propõe o instituto da Avaliação de Equidade Ambiental como instrumento evidenciador de que as dimensões ambiental, social e cultural não podem ser avaliadas de modo separado, “uma vez que esta divisão disciplinar não é capaz de dar conta dos efeitos recíprocos e inextrincáveis entre estes domínios formalmente separados, porém empiricamente integrados”. “Por outro lado, ela somente é efetiva na medida em que haja não apenas a participação, mas sim a incorporação integral da perspectiva e da racionalidade específicas dos grupos sociais potencialmente atingidos ”. Segundo a RBJA:

Os Movimentos sociais e as populações tradicionais vêm atualmente enfrentando um grande desafio, desencadeado pelo ambicioso projeto de impulsionamento de reforço ao crescimento econômico do governo (...), o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento. Alicerçado em obras de infra-estrutura e transporte caracterizadas pela exploração intensiva de recursos naturais, o PAC vem sendo classificado por alguns economistas e organizações ambientalistas como um marco de um modelo de desenvolvimento fundado na chamada acumulação primitiva. Isto é, num processo violento de expropriação da produção familiar, artesanal, camponesa e dos povos tradicionais e indígenas, grupos sociais que têm sua base material de reprodução - os recursos naturais de uso comum – incorporada por este ‘motor de crescimento’ financiado pelo Estado e apropriado pela iniciativa privada “...”.
“...” As perspectivas diferenciadas das chamadas minorias, longe de constituírem entraves ao desenvolvimento, são justamente os vetores através dos quais se indicam os paradoxos e saídas dos graves impasses que o modelo econômico desenvolvimentista adotado vem demonstrando há pelo menos cinco décadas.
“...” Uma Avaliação de Equidade Ambiental deve focar-se acima de tudo no plano das controvérsias, que não devem ser combatidas ou obscurecidas; ao contrário, a verdadeira avaliação de equidade é aquela que assume as tensões sociais e políticas como o seu motor e permite que os diversos grupos sociais sejam envolvidos de forma equânime, participativa e democrática. A evidenciação dos conflitos serve, portanto, para municiar tanto a prática de governos democráticos como as dinâmicas de organização da sociedade no combate às desigualdades sociais e ambientais “...”. (RBJA, 2009).

6. Conclusões.

6.1 - O Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) é um instrumento previsto na Lei nº. 6938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Concebido na legislação como meio para gerenciar o território, tendo em vista a máxima proteção dos recursos e ciclos naturais, o ZEE tem sido defendido como a ferramenta indispensável a serviço do Poder Púbico para controlar os processos sociais e econômicos no território.
6.2 - Diante disso, nos últimos anos, os Estados Federados têm se preocupado com a elaboração das suas leis de Zoneamento Ecológico-Econômico. Portanto, parte-se da construção de diagnósticos técnicos muito atentos em definir a localização, quantidade e a potencialidade de exploração econômica dos recursos naturais em seus respectivos territórios, para em seguida determinar a localização dos atores com maior capacidade de exploração de tais recursos.
6.3 - O que se nota, portanto, destes processos, é uma concentração de poder nas mãos dos Estados, que se arrogam como legítimos definidores de como se vai viver no território, ou seja, definem atores e atividades segundo a potencialidade de exploração dos recursos naturais. Parte-se de uma definição de território a partir dos recursos e não das pessoas e grupos sociais que historicamente já vivem nessas áreas.
6.4 - Nesta apropriação do poder de decidir e formular espaços, o Poder Público absorve os conflitos sociais territorializados e impõe uma nova ordem ao espaço, sem, contudo, resolver o conflito. O Estado se coloca acima dos conflitos e decide o que é melhor para a área disputada, e conseqüentemente, para os atores sociais em litígio. O grande problema dessa atuação é que o Estado avalia a situação por meio de um viés economicista, pensando na exploração econômica dos recursos, a partir dos recursos para a economia, sendo as pessoas, nesta lógica, apenas aparelhos mais ou menos capazes de gerar riqueza.
6.5 - Nesse contexto, o Poder Público esquece-se de avaliar que os conflitos não são motivados apenas para ocupação de uma determinada área. Os conflitos são - e particularmente no caso da Amazônia, muito freqüentemente, motivados pelo confronto de visões de mundo de propostas diferentes de usos dos recursos, as quais entram em choque com visões de outros grupos, especialmente com aqueles que almejam lucro imediato e crescente a partir da exploração intensiva dos recursos. Os grupos tradicionais disputam não apenas os recursos, mas a possibilidade de usá-los segundo suas práticas socialmente construídas - praticas estas não necessariamente sustentadas pela lógica do mercado.
6.6 - Mesmo quando se avoca construído sob o manto da participação política, os ZEE’s - e principalmente este ZEE do Oeste do Pará, sobre o qual aqui se reflete - se baseiam em metodologias de consultas públicas que se atêm a apresentar à sociedade os planos do governo, através de um linguajar técnico em um espaço de tempo diminuto. As propostas apresentadas nesses espaços têm a função de “orientar o Poder Público”, mas quem efetivamente decide o conteúdo do ZEE é o Estado.
6.7 - Não é recomendável a ingenuidade de ignorar que os aparelhos e órgão estatais constituem em espaço de disputa política, e que os grupos que estão mais representados nesses espaços terão seus interesses protegidos. Portanto, pensar um instrumento político de tamanha magnitude como o ZEE, é pensar que vários grupos sociais estão sendo alijados dos processos decisórios, pois, ao abrir espaço para a exposição e negociação de interesses tão divergentes sobre o mesmo território, o ZEE deixa de considerar interesses específicos que nem sempre representam a maioria das votações deliberativas.
6.8 - No que tange ao ZEE, é difícil deixar de pensar nesses recortes autoritários do território, uma vez que os zoneamentos são criados levando em consideração critérios políticos administrativos como circunscrição de um Estado-Federado, uma Amazônia demarcada na lei, ou a zona de influência de uma rodovia. Portanto, estes critérios existem nos projetos governamentais e nos documentos legislativos e não na realidade vivenciadas pelos grupos sociais, pois não podemos esquecer que várias comunidades tradicionais constroem seus territórios à revelia das circunscrições territoriais, podendo ser encontradas em territórios que abarcam mais de um município, mais de um Estado e até mesmo mais de um país.
6.9 - O que se quer dizer é que um processo de planejamento político deve partir dos grupos sociais, de uma completa indicação de que são esses grupos, de onde vivem, quais as lógicas de ocupação territorial e quais interesses são por eles defendidos - e como melhor proteger tais interesses, e não de territórios idealmente imaginados como o são as circunscrições administrativas ou as definições de recursos naturais.
6.10 - Essa conjuntura de planejamento territorial por meio do ZEE é especialmente perturbadora no Pará, pois às circunstancias acima elencadas que cercam o planejamento em si, são somadas medidas federais de apoio à ocupação e exploração da Amazônia, com a previsão de grandes obras de infra-estrutura e de ocupação territorial. O que se constata é que tais medidas, ao invés de conter os avanços econômicos para a região, se prestam mais a gerá-las.
6.11 - É de conhecimento Público as mazelas sociais que vem ocorrendo neste Estado, com o avanço de práticas econômicas altamente concentradoras de terras, como o são a pecuária, as monoculturas da soja, arroz e das atividades de exploração madeireiras, em um território onde a situação fundiária ainda não tem uma completa definição.
6.12 - As lutas por reforma agrária, ou por reconhecimentos territoriais coletivos , crescem diretamente proporcionais ao avanço destas grandes atividades econômicas. A falta de controle do Poder público sobre seu território tem gerado a formulação de soluções legislativas de caráter duvidoso, que tem servido mais para consolidar essas atividades do que para proteger o pequeno agricultor ou os grupos tradicionais.
6.13 - Neste contexto de proteção de interesses economicistas e desenvolvimentista para a região norte, a MP 458 , que “dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal”, é uma legalização e incentivo à grilagem das terras públicas; as recentes propostas em curso de flexibilização da legislação ambiental, para a construção de grandes empreendimentos hidrelétricos e rodoviários, entre outras, são também formas de apropriação territorial, pois que determinam quem e onde os atores vão se instalar, pois estas obras se consubstanciam em infra-estrutura necessária a fixação de determinadas atividades econômicas, principalmente as explorações minerais, as quais também geram expropriações com a introdução de novos atores ocupando os espaços geográficos, expulsando os antigos moradores. Este também está sendo o caráter das criações das Florestas Nacionais e Estaduais, que visam possibilitar a exploração madeireira mais do que proteger as comunidades tradicionais.
6.14 - No que tange à problemática ambiental, a lógica de incentivo à ocupação intensiva é a mesma, pois o discurso ambiental também tem servido para promover a ocupação do território por meio da escolha de práticas mais racionalizadas de usos dos recursos. Assim, para diminuir a exploração ilegal de madeira propõe-se uma lei de concessão de florestas públicas. A floresta pública é colocada à disposição da exploração para que seja evitada a exploração ilegal. Ou então, para se acabar com o desrespeito à limitação das reservas legais na Amazônia, propõe-se a diminuição dessas áreas hoje protegidas. As concessões ambientais aumentam para diminuir a falta de cumprimento à legislação ambiental, e, portanto, as soluções engendradas para os problemas ambientais dirigidas pelo Estado vão ao encontro do aumento da exploração dos recursos naturais.
6.15 - Portanto, é neste quadro de disputa territorial que se insere a proposta do governo do Estado do Pará de reduzir a Área de Reserva Legal das propriedades localizadas ao longo da BR- 163. Consideramos que tal proposta se traduz em um incentivo ao desmatamento, considerando que novas propostas de redução e concessões nas limitações ambientais encontraram aqui um forte precedente, além, é claro, de ser um premio àquele proprietário que nunca respeito às determinações legais de proteção da Reserva Legal.
6.16 - Além disso, ainda no que tange à redução da Área de Reserva Legal da Amazônia, visualizamos em futuro próximo um aumento nos conflitos fundiários decorrentes dessa medida governamental, pois, ao se manter o percentual de 80 por cento para o restante do território paraense, enquanto que ao longo da BR-163 será de 50 por cento, isso poderá gerar uma procura desenfreada por estas terras, onde se poderá explorar mais. Assim, haverá a expulsão e expropriação dos pequenos agricultores e grupos tradicionais desses territórios por grupos com interesses econômicos poderosos.
6.17 - Portanto, essa medida encerra, como objetivo, atrair mais investimentos e mais ‘supostos donos’ para a região, obedecendo a um modelo de incentivos fiscais e ambientais para atrair grandes capitais nos moldes já executados pelos governos ditatoriais brasileiros, cujas conseqüências ainda verificamos nos problemas sociais dos grandes enclaves econômicos e na intensificação da apropriação desordenada do território amazônico.

7. Recomendações.

RECOMENDAMOS AO CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, o retorno da matéria à Câmara Técnica de Gestão Territorial e Biomas, para que se aguarde a REALIZAÇÃO DE TRÊS (03) AUDIÊNCIAS PÚBLICAS para discussões e tomadas de decisão democráticas sobre os elementos de metodologia do ZEE enquanto instrumento de ordenamento territorial, de maneira que essas Audiências Públicas contribuam para alterar a correlação de forças sobre o zoneamento pretendido, fazendo valer as perspectivas diferenciadas dos grupos sociais atingidos. Após a realização das audiências públicas recomendadas, e sistematizadas as alterações necessárias no ZEE em estudo, o mesmo então voltará ao encaminhamento processual no CONAMA a partir da CT de origem.

Como recomendação essencial do Relatório, entendemos que a participação da sociedade civil deveria ter começado na concepção do planejamento do ZEE. Uma vez que a participação da população não foi considerada na definição estratégica do planejamento proposto, RECOMENDAMOS:

7.1 - A realização de uma Audiência Pública em Santarém, cidade-pólo da região Oeste do Pará, e uma em Belém, capital do Estado, a serem planejadas e executadas por grupo assessor a ser temporariamente criado pelo CONAMA para este fim específico, de maneira que possibilitem redefinições sobre as metodologias de planejamento adotadas, garantindo o debate amplo sobre o zoneamento, e respeitadas as realidades socioculturais locais;

7.2 - A realização de uma Audiência Pública em Brasília, Distrito Federal, onde o ZEE deverá ser finalmente apresentado, já com as modificações discutidas e decididas com a acolhida das propostas dos grupos sociais locais, permitindo a inclusão de critérios de equidade ambiental e social;

7.3 - Considerando os distintos modos de vida e lógicas socioculturais locais dos diversos segmentos sociais envolvidos no processo do zoneamento, deve ser realizado um levantamento participativo das realidades culturais, sociais, políticas e econômicas de todos os grupos presentes no território, garantindo a participação dos segmentos sociais afetados nas discussões e durante a pesquisa;

7.4 - O processo de revisão de metodologias e das pesquisas referidas no ítem três acima, deve ser supervisionado pelo Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual do Pará;

7.5 - As audiências públicas devem ser realizadas garantindo a participação da população potencialmente atingida na elaboração do planejamento das mesmas, de forma transparente e inclusiva. O Ministério Público Federal e Estadual deverão participar da organização e realização das audiências públicas, de modo a garantir o direito de participação e expressão aos grupos sociais atingidos e organizações não governamentais de apoio;

7.6 - O objetivo das audiências públicas é o envolvimento dos grupos sociais desconsiderados nos processos decisórios do ZEE, para garantia dos seus direitos previstos na Constituição Federal brasileira de 1988;

7.7 - O acesso e a apresentação das informações deverão ter realização em forma adequada para os grupos sociais interessados. A linguagem técnica do ZEE impõe um modelo exógeno de comunicação cujos significados não são captados por aqueles que a desconhecem. De maneira que, antecedendo as audiências públicas, o Governo do Pará deve produzir e divulgar informações utilizando técnicas audiovisuais, além da escrita, em linguagem acessível à população.
O Governo do Pará deve também levar em conta as restrições da população, principalmente dos grupos sociais vulnerabilizados pelo zoneamento, no acesso as informações devido à localidade da exposição e o formato da apresentação. Os documentos do zoneamento devem ser disponibilizados de forma desburocratizada e gratuita, garantindo a publicização e o acesso às informações.

É o Relatório.

Brasília, DF, 25 de abril de 2009.



Álvaro Fernando De Angelis
Presidente da Comissão Permanente Nacional de Entidades Ambientalistas - CP CNEA
Conselheiro do CONAMA / Representante da Fundação Rio Parnaíba - FURPA



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