terça-feira, 6 de julho de 2010

AUDIÊNCIAS PÚBLICAS – DEMOCRACIA PARTICIPATIVA OU REFERENDO AOS PROJETOS JÁ DECIDIDOS?

O porto da Cargill vai ser alvo de uma audiência Pública. Depois de anos de debate, de guerra jurídica, a empresa foi obrigada pela justiça a encomendar um estudo de impactos ambientais. Este estudo vai agora ser objeto de uma audiência pública.
No entanto o que está em questão não são estes relatórios, mas o projeto em si, que já nasceu torto e à revelia da população e do ministério público. O porto nasceu numa área que a população santarena sempre reconheceu como área de lazer e sem levar em conta os interesses da mesma população nem os impactos ambientais e paisagísticos. Na época nenhum estudo ou consulta á população foram feitos. Então, porque hoje vamos fazer uma audiência pública sobre a presença da Cargill em Santarém?
A esta pergunta eu respondo com a minha experiência de 25 anos na região e com a presença em várias audiências públicas:
1. O governo brasileiro tem um plano elaborado para a região e esse plano engloba políticas desenvolvimentistas que favorecem o grande capital das empresas nacionais e internacionais, possibilitando o acesso, uso e controle dos recursos naturais, inclusive da terra. Assim as audiências públicas legitimam este plano, sem dar reais chances à opinião pública para questionar este grande projeto de apropriação dos recursos naturais da região pelo grande capital. Assim aconteceu com as audiências da Mineração Rio do Norte sobre os platôs na Floresta Saracá Taquera; assim aconteceu com as audiências de legitimação da Alcoa em Juruti; o projeto do Xingu, Madeira…

2. A Cargill é a garantia de transformação da região em grande produtora de grãos (soja), expansão da agricultura mecanizada, grande projeto do governo militar que construiu a BR 163 com esse intuito, ligando Mato Grosso ao Oeste Paraense. Basta analisar os grandes projetos agrícolas do governo militar que colocava o vale do Rio Trombetas e o planalto Santareno dentro deste projeto de expansão agrícola. O projeto militar foi ressuscitado pelos políticos da região comandados pelo ex-prefeito Lira Maia e pelos governos Federal e Estadual no zoneamento ecolôgico-econômico da BR 163. A elaboração do Zoneamento levantou muitas críticas da parte de especialistas. No seu parecer sobre a elaboração do Zoneamento Álvaro Fernando De Angelis Presidente da Comissão Permanente Nacional de Entidades Ambientalistas - CP CNEA e Conselheiro do CONAMA / Representante da Fundação Rio Parnaíba – FURPA diz no ponto 6.6 do seu relatório:

“ Mesmo quando se avoca construído sob o manto da participação política, os ZEE’s - e principalmente este ZEE do Oeste do Pará, sobre o qual aqui se reflete - se baseiam em metodologias de consultas públicas que se atêm a apresentar à sociedade os planos do governo, através de um linguajar técnico em um espaço de tempo diminuto. As propostas apresentadas nesses espaços têm a função de “orientar o Poder Público”, mas quem efetivamente decide o conteúdo do ZEE é o Estado
6.7 - Não é recomendável a ingenuidade de ignorar que os aparelhos e órgão estatais constituem em espaço de disputa política, e que os grupos que estão mais representados nesses espaços terão seus interesses protegidos. Portanto, pensar um instrumento político de tamanha magnitude como o ZEE, é pensar que vários grupos sociais estão sendo alijados dos processos decisórios, pois, ao abrir espaço para a exposição e negociação de interesses tão divergentes sobre o mesmo território, o ZEE deixa de considerar interesses específicos que nem sempre representam a maioria das votações deliberativas.
6.8 - No que tange ao ZEE, é difícil deixar de pensar nesses recortes autoritários do território, uma vez que os zoneamentos são criados levando em consideração critérios políticos administrativos como circunscrição de um Estado-Federado, uma Amazônia demarcada na lei, ou a zona de influência de uma rodovia. Portanto, estes critérios existem nos projetos governamentais e nos documentos legislativos e não na realidade vivenciadas pelos grupos sociais, pois não podemos esquecer que várias comunidades tradicionais constroem seus territórios à revelia das circunscrições territoriais, podendo ser encontradas em territórios que abarcam mais de um município, mais de um Estado e até mesmo mais de um país.” (PARECER Nº. 001/2009 – FURPA/SAMAN).
A audiência pública legitimará a Cargill e assim consolidará o plano do Regime Militar agora aprovado no plano Zoneamento ecolôgico Econômico da Br 163.
3. AS CONCESSÕES DE FLORESTAS PÚBLICAS, O PROGRAMA TERRA LEGAL, A LEI DE LEGALIZAÇÃO DA GRILAGEM e outros programas e projetos dos governos Estadual e Federal, são uma forma de controle dos territórios da região pelo governo para dispor dos recursos naturais nelas existentes para serem explorados pelo capital privado, limpando a área da pressão das populações tradicionais e deixando o terreno livre para a futura expansão agrícola. A audiência pública da Cargill legitima indiretamente esta política governamental.

4. A audiência Pública será um referendo aos projetos já decididos onde se dará a impressão de democracia participativa, diante das exigências legais e diante das exigências internacionais. Pela experiência de outras audiências assistiremos a um espectáculo circense, onde um grupo, cooptado pela empresa e pelos grandes interesses, se manifestarão favoráveis ao porto e outro grupo se manifestará contra. Mas o importante é mesmo a dimensão do lobby que já se instalou nos órgãos oficiais e que marcou as cartas.

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