quinta-feira, 1 de julho de 2010

CARTA ABERTA DA CPT SOBRE O PROGRAMA TERRA LEGAL

A CPT Santarém vem, por este meio, se posicionar contra a execução do programa do governo TERRA LEGAL já que reconhece que ele possibilita a regularização da grilagem da terra pública na Amazônia legal e a concentração de terras na região. Além disso o país já possui instrumentos legais que permitem a legitimação da posse segundo os princípios vigentes. O TERRA LEGAL na verdade vai garantir o direito de preferência para alienação para os atuais grileiros ocupantes das terras públicas e acelerar o desmatamento e a concentração de terras para o agronegócio.
A CPT considera que o governo deveria abandonar este programa e continuar na região com a reforma agrária, a criação de unidades de conservação ambiental e a demarcação de terras indígenas e quilombolas.
A posição da CPT está baseada nos seguintes elementos:

1. Embora o governo dê destaque para o grande número de pequenos posseiros a serem beneficiados, um número reduzido de posses (6,6%) reúne quase 73% das terras da região. Elas também poderão ser regularizadas mediante a divisão dos imóveis entre familiares e laranjas. O fraccionamento dos imóveis entre familiares será permitido pelo programa.

2. O governo vai permitir transferência da posse do imóvel em período posterior, desde que a terra tenha sido desmatada até 2004, conforme imagens dos satélites do INPE. Assim a posse pode dar-se por meio de “antecessores” (desmatadores) e ser regularizada, driblando a data de 1º de Dezembro de 2004, data limite da ocupação, segundo a lei. O próprio coordenador do Terra legal numa entrevista à FOLHA afirma: “se criarmos muitas restrições não conseguimos trazer os ocupantes da terra pública para a legalidade”.

3. O IMAZON detetou a retomada da devastação na Amazônia nos últimos meses e o próprio instituto reconhece que isto acontece devido a dois fatores: afrouxamento nas medidas de controle do governo e um surto de grilagem que explodiu a partir de 2009 na região devido à medida provisória 458 e ao programa de regularização fundiária do governo. O próprio IMAZON reconhece que áreas que não têm forte atividade agropecuária como Mato Grosso e Sul do Pará, aparecem com tendência ao desmatamento. A BR 163 e sul do Amazonas considerados até à pouco fechados ao desmatamento desenfreado por conta das unidades de conservação, são agora pontos quentes do desmatamento, afirma o IMAZON. Gilberto Câmara, diretor do INPE afirma que no Oeste do Pará o desmate saiu do controle.
Dados deste instituto revelam que em Janeiro de 2010 foram registrados 63 Km quadrados de desmatamento o que representou um aumento de 26% em relação a Janeiro de 2009.
Claudio Angelo da Folha de São Paulo afirma: “ No Oeste do Pará o fantasma da Marina Silva volta para puxar o pé de Minc e de seu chefe, o presidente Lula. À frente do ministério, Marina criou unidades de conservação no arco da grilagem do Oeste paraense e no Sul do Amazonas. Lula não só não tirou esses parques do papel como armou a bomba relógio da MP 458, que ameaça estourar em seu colo em 2010.” (eco debate 03/09/2009.).

4. A devastação da região também se deve a outros fatores e um deles é a licitação de florestas públicas no Pará, lugar onde campeia a extração ilegal de madeira. A licitação de florestas é um caminho altamente pernicioso para os interesses das comunidades locais e para a sobrevivência da biodiversidade na região.

5. Com o Terra legal o Governo Federal abandona definitivamente o programa de reforma agrária na região e nivela posseiros e grileiros em áreas marcadas por conflitos e desmatamento. Na verdade o programa legaliza a grilagem. Esta foi a conclusão do debate promovido pela Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) na universidade de São Paulo. Na verdade a lei dá preferência ao grileiro e lhe dá um prémio pelo desmatamento e a ocupação fraudulenta e será, como diz Plínio de Arruda Sampaio, presidente da ABRA, “uma ampla lavagem dos títulos de posse e uma manobra para depois vender terras legalizadas para os grandes do agronegócio com título de posse perfeito e chancelado pelo Estado brasileiro.

Segundo José Vaz Parente, diretor da Confederação Nacional das associações dos servidores do INCRA (Cnasi), a MP458 agora rompe com uma prática histórica: “no Incra , a regularização fundiária sempre foi entendida como uma ação complementar à reforma agrária. Essa MP rompe com esta lógica. O que está em discussão é a manutenção do modelo convencional excludente socialmente e sua expansão e consolidação.”
João Paulo Rodrigues, membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), afirma que a MP "coroa" o modelo de desenvolvimento agrícola apresentado pelo governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) e que, na visão do MST, não foi alterado no período Lula. "A MP complementa a lógica do que tem que avançar na Amazônia é o agronegócio, com criação de boi, eucalipto e soja".
O governo Lula, na avaliação de Ariovaldo Umbelino professor da USP, concentrou a maior parte dos esforços na regularização fundiária em detrimento da reforma agrária.
"Já havia uma clara determinação de só fazer reforma agrária sob pressão", continua o professor da USP. A maioria dos assentamentos criados por esta gestão situa-se na Amazônia Legal.
O geógrafo afirma que uma parte das terras do Incra no Mato Grosso já está sob controle do agronegócio. "Por que o governo não pede a reintegração de posse de todas as terras do Incra?", questiona. "O governo fez opção preferencial pelo agronegócio. A reforma agrária passou a ser secundária".

6. A CPT considera que o governo deveria abandonar este programa e continuar na região com a reforma agrária, a criação de unidades de conservação ambiental e a demarcação de terras indígenas e quilombolas.

Para o professor titular de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo (USP) Ariovaldo Umbelino que condenou a MP 422 (oficializada na Lei 11.763/2008), a legalização da venda sem licitação de terras públicas de até 15 módulos fiscais para agentes privados "é uma afronta aos princípios constitucionais e ao patrimônio público". Segundo ele, os 67 milhões de hectares arrecadados pela União na Amazônia deveriam ser reservadas para a reforma agrária, a criação de unidades de conservação ambiental e a demarcação de terras indígenas e quilombolas.
A grilagem das terras públicas da Amazônia, analisa Ariovaldo, "sempre veio alimentada pelas políticas públicas dos diferentes governos nos últimos 50 anos". Para ele, porém, a partir da Constituição de 1988 (que passou a exigir que a destinação de terras públicas seja compatibilizada com o plano nacional de reforma agrária), outra forma de "grilagem legalizada" passou a ser adotada, com colaboração da "banda podre" de funcionários públicos do Incra e de institutos estaduais de terra da região.
Munidos de informações sobre as áreas devolutas, esse grupo passou, de acordo com artigo do professor da USP, "a ´oferecer´ e ´reservar´ as terras públicas do Incra para os grileiros e indicar o caminho ´legal´ para obtê-las". "A denúncia destes fatos, já levou a Polícia Federal a fazer a Operação Faroeste no Pará e o Ministério Público Federal mover ação para cancelar os ´assentamentos da reforma agrária laranja´ da regional do Incra de Santarém (PA). O motivo é sempre o mesmo: a tentativa de ´oficializar´ a grilagem das terras públicas", prossegue Ariovaldo.

7. O próprio ministério público já alertou para o problema que o terra legal pode causar à reforma agrária na região e aos interesses das comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas.

O Ministério Público Federal, através dos procuradores da República Marcel Brugnera Mesquita e Daniel César Azeredo Avelino, encaminhou notificação ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) informando que pode ir à Justiça caso o MDA mantenha a intenção de não realizar vistorias em áreas a serem regularizadas pelo programa Terra Legal. O MPF adverte que a ausência das vistorias pode prejudicar interesses de comunidades quilombolas e de outras comunidades tradicionais.
A recomendação cita estudo feito pelo analista pericial em antropologia do MPF Raphael Frederico Acioli Moreira da Silva. Analisando a situação de comunidades quilombolas e de outras comunidades tradicionais no Pará cujo território é ameaçado pelo programa Terra Legal, o antropólogo conclui que “a escassez de informações [sobre essas comunidades] deve ser entendida como um alerta para a diversidade de situações de ameaças que pairam sobre os territórios e modos de vida desses grupos, que nos últimos anos têm lutado contra a invisibilidade pública de suas trajetórias como formadores da sociedade brasileira.”

8. A CPT registrou, em 2009, 528 ocorrências de conflitos de terra, 45 conflitos em torno de recursos hídricos. Destes, 151 conflitos por terra, 16 conflitos por água e 115 casos de violência envolveram indígenas, quilombolas, ribeirinhos, seringueiros, que-bradeiras de coco babaçu, pescadores e membros de fundos de pasto. Estes dados contribuem para reforçar o quanto as práticas de uso comum dos recursos naturais acham-se disseminadas na vida social brasileira e tem efeitos pertinentes sobre a sua estrutura agrária, afirma o antropólogo Alfredo Wagner. E o antropólogo continua: “as iniciativas governamentais entendem a regularização fundiária tão somente como titulação de parcelas ou lotes individuais, imaginando que imaginando que apenas o processo de privatização de terras públicas intensificará a incorporação de novas tecnologias e dinamizará as transações no mercado de terras. Para esta imaginação burocrática, as práticas de uso comum seriam vestígios de um passado a ser superado, ou seja, seriam práticas “rudimentares e primitivas”, características de “economias arcaicas”, marcadas por “irracionalidades”, que se contrapõem ao desenvolvimento tecnológico. O escopo desta interpretação consistiria em aplicar mecanicamente os conceitos jurídicos de propriedade, de contrato3 e “pessoa moral”, como diria Meillassoux (1980:10), sobre o estoque de terras para legalizar atos de compra e venda, legitimando, assim, o processo de concentração fundiária. Nesta dinâmica, fundada nos princípios do liberalismo econômico, as razões burocráticas me-nosprezam inteiramente fatores étnicos, de parentesco e/ou culturais, representando-os como meras “sobrevivências” de “comunidades primitivas”, ou como elementos residuais abrigados sob uma classificação de “tradicional”, isto é, uma determinada situação social que, embora tenha sobrevivido às mudanças, estaria do ponto de vista evolucionista, em vias de extinção. “(In: Povos e comunidades tradicionais atingidos por conflitos de terra e atos de violência – Cadernos de conflitos CPT 2009). Alfredo Wagner defende que as comunidades são capazes de gerir recursos em comum, de forma mais sustentável do que o Estado ou os proprietários privados.
Durante todos estes anos de serviço prestados a camponeses e populações tradicionais no baixo Amazonas, a CPT tem observado um grande aumento de conflitos provocados pela grilagem e concentração de terras, tanto em terra federais como estaduais. O descalabro provocado com a grilagem de terras em nossa região com a venda de terras públicas motivada pelo mercado da soja que deflagrou na operação FAROESTE em 2004 (que até hoje não foi solucionada) é um claro exemplo de medidas ilegais para controlar as terras na região.
O Zoneamento Econômico Ecológico do Estado do Pará e várias outras tentativas de aumentar as áreas de desmatamento, como a diminuição da reserva legal, por exemplo, são medidas claras de incentivo a monocultivos. Outra ameaça que este programa acarreta é a possibilidade de legalizar grandes propriedades em áreas de várzea.
Portanto, não podemos aceitar que instrumentos como o Programa Terra Legal e a lei de alienação de terras públicas do estado sejam efetivados para acirrar ainda mais os conflitos no campo que todos os anos são denunciados pela CPT e outras organizações representantes dos trabalhadores rurais e populações tradicionais.
CPT Santarém
13 de Junho de 2010

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