sábado, 31 de julho de 2010

Entrevista especial com Edilberto Sena Fonte: IHU - Instituto Humanitas Unisinos

As usinas do Rio Tapajós em debate na Cartilha. Entrevista especial com Edilberto Sena
Fonte: IHU - Instituto Humanitas Unisinos Data de Exibição: 24-05-2010



Santarém (PA) - Criada com o intuito de sensibilizar as populações da região do Tapajós de maneira educativa, a Cartilha em Defesa do Rio Tapajós ilustra as verdades e mentiras sobre a construção de cinco hidrelétricas na Amazônia pelo governo federal. O documento está sendo distribuído para movimentos sociais e comunidades que devem ser atingidas pelas hidrelétricas, e foi alvo de uma polêmica na mídia nacional.

Acusada de incentivar a violência, elucidando possíveis brutalidades por parte dos povos indígenas da região, a cartilha foi condenada pelo jornal Folha de S. Paulo por ser negativa e incriminadora. Nesta entrevista, concedida por telefone, padre Edilberto Sena, idealizador do documento e coordenador da Rádio Rural AM de Santarém no Pará, diz que uma eventual reação violenta por parte dos Munduruku seria apenas uma resposta à maneira como o governo federal vem lidando com esta questão, sem qualquer tipo de diálogo e preocupação com o povo.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como foi o episódio em que a Folha noticiou a Cartilha em Defesa do Rio Tapajós?

Edilberto Sena – Alguém do jornal Folha de São Paulo viu alguma informação sobre nossa cartilha e me telefonou pedindo esclarecimentos. Perguntou se eu era, de fato, um dos membros do Frente em Defesa da Amazônia, um movimento popular de nossa região, e se fazíamos parte da produção da cartilha. Expliquei que sim, que nossa cartilha tem uma função educativa para sensibilizar as populações da região, já que o governo está fazendo um trabalho sorrateiro para implantar hidrelétricas no Rio Tapajós, sem negociar e dialogar com o povo.

Desde 1996, a Eletrobrás, através da Eletronorte, vem estudando e articulando para fazer este projeto. A "O que mais foi comentado é que a cartilha é negativa e incriminadora", pessoa da Folha de São Paulo disse que achava a cartilha muito pesada e que estávamos incentivando o Crime. Perguntei se esta pessoa aceitava que eu escrevesse uma explicação dos motivos de nossa cartilha ser inocente. Aí, fiz a carta para o jornal, dizendo que, no entendimento do coletivo da região, sentimos que quem está sendo criminoso é o governo federal, que quer implantar cinco mega-hidrelétricas na bacia do Rio Tapajós sem levar em consideração nossas culturas e vidas. Lamentavelmente, o primeiro articulista (João Carlos Magalhães) fez uma menção muito rápida sobre o que eu disse. O que mais foi comentado é que a cartilha é negativa e incriminadora. O outro articulista, Cláudio (Angelo), foi quem colocou mais informações da carta.

IHU On-Line – Na sua carta-resposta, o senhor diz que qualquer atitude de inconformismo de movimentos sociais é logo considerada insubordinação à ordem democrática. Como isso acontece em relação ao movimento contra as hidrelétricas no rio Tapajós?

Edilberto Sena – Estamos sendo agredidos, principalmente, em nossa região, no oeste do Pará. A situação é muito grave. Somos agredidos pelas madeireiras, pelos plantadores de soja que vieram do Mato Grosso do Sul, e pelas mineradoras estrangeiras, como a Alcoa, a Rio Tinto, a Mineração Rio do Norte. Essas empresas estão nos agredindo, dizendo que somos preguiçosos, que caboclo não sabe aproveitar a riqueza que tem. Por último, vem o governo federal e, subserviente a essas grandes empresas, decide implantar essas hidrelétricas na região, tanto no Rio Xingu, que é vizinho nosso, como no Rio Tapajós.

Nos sentimos agredidos. A Amazônia é tratada pelo governo central e pelas grandes empresas, tanto do sul Quanto do estrangeiro, como uma colônia, do mesmo jeito que o Marquês de Pombal tratava nossa região. Eles chegam aqui, tomam conta, mudam de nome, como se fôssemos uma colônia de pessoas sem raciocínio. Sentimos, também, que o próprio governo federal, que elegemos por dizer que ia mudar o modelo de administração da nação brasileira, trata os povos da Amazônia como descartáveis.

O Presidente da República chegou a dizer que os obstáculos ao crescimento econômico do Brasil são os indígenas, os ribeirinhos, os quilombolas, as ONGs e até o Ministério Público Federal. Comparo, em menor escala, nossa polução com o povo palestino diante de Israel, que os trata como descartáveis. Nosso governo e as grandes empresas esquecem que são 25 milhões de seres humanos que vivem na Amazônia. Eles querem que fiquemos calados, de braços cruzados e democraticamente subservientes.

IHU On-Line – O governo federal não fez nenhum contato com os povos da região?

Edilberto Sena – Pela lei brasileira, um parque nacional é uma área sagrada e intocável, só se pode entrar lá para fazer turismo guiado e pesquisa orientada. O conselho nos convidou para uma conversa junto à Eletronorte em Itaituba. Vieram três engenheiros da Eletronorte, dois de Brasília e um de Manaus, e dialogamos na mesa redonda. Eles nos mostraram seu lado, e mostrei nossa preocupação e os dados, que também estão em nossa cartilha. Os engenheiros se calaram e não toparam o desafio de dialogar. Eles nos mostraram um documentário chamado “Complexo Tapajós”, que, para nós, é uma indignação. É tecnicamente bem feito para iludir os desavisados. Fui mostrando como tudo aquilo é mentira, essa história de escadinha para peixes, de plataforma, de impactos mínimos e de recuperação da floresta. Eles querem que engulamos isso.

Depois o conselho pediu que nos afastássemos. Ele se reuniu e decidiu que irá defender o parque nacional de acordo com a Constituição brasileira, não de acordo com os truques do Ministério de Minas e Energia. Posteriormente, eles foram à Câmara de Vereadores de Itaituba com a Eletronorte. A Eletronorte pega esse vereadores, que já têm um passado triste porque venderam o direito de isenção à fábrica de cimento Caima, coloca-os em um avião, leva-os para Itaituba, mostram a eles as belezas da cidade. Os vereadores de Itaituba, que terão de assinar uma licença de trabalho, estão aplaudindo. Após isso, a Câmara de Vereadores de Santarém, vendo que a coisa estava sendo discutida, convocou a Eletronorte e a nós para um debate na câmara. A Eletronorte não compareceu, fiquei falando sozinho, mas aproveitei para falar sobre as informações que temos. É isso que o governo federal está infligindo para o norte.

Um vereador me disse que viu as difamações, ficou impressionado e estava disposto a tirar dinheiro do próprio salário para ajudar a montar uma cartilha que sensibilizasse a população sobre o que está acontecendo. Outros resolveram ajudar, como os grupos dos Franciscanos, dos Padres do Verbo Divino, nosso próprio grupo, e a ONG Fase, de Belém. Assim montamos esta cartilha que está sendo divulgada. O que sentimos hoje é que não há diálogo por parte do governo. Apenas alguns sites na Internet têm mostrado quais são os planos que o governo tem para nossa região.

IHU On-Line – A Cartilha em defesa do rio Tapajós sugere alguma reação às hidrelétricas?

Edilberto Sena – Não vamos organizar um exército ou uma guerrilha porque nosso povo é muito pacato. O que queremos com nossa cartilha é que as populações, primeiramente, se deem conta do que estão armando Para nós. Depois de construir uma barragem – só a primeira tem 36 metros de altura –, o Rio Tapajós será estancado, e isso irá atingir até as belas praias de Santarém. Tem uma foto na cartilha mostrando a cidade de Santarém no verão passado, quando o Rio Amazonas domina o Rio Tapajós e invade a frente da cidade com água barrenta. Imagine se fizerem de fato uma barragem fechando o Rio Tapajós e deixando escorrer a água só pelo buraco de cima da turbina. Deste modo, irá atingir todas as praias até Santarém. Estamos tentando ilustrar, também, para as pessoas mais simples e de periferias.

A pedido do SESC, fiz uma exposição para pessoas que estavam participando de uma reunião da associação. Eram pessoas humildes e simples. Levei o documentário bandido do governo e a cartilha. Pedi para um leigo ler a carta dos índios Munduruku. Na medida em que as pessoas leem isso, vão vendo a seriedade da informação e confiando na nossa reputação de informantes. E esse é só o primeiro ponto de nossa cartilha.

IHU On-Line – E qual é o segundo?

Edilberto Sena – O segundo é que, despertando a consciência, a cartilha amplia a Aliança Tapajós Vivo. As pessoas que tomam consciência se unem nessa luta para que tentemos empatar esse desastre econômico, social e ecológico em nossa região. Teremos que fazer alguma forma de empate, seja fechando o rio, bloqueando as rodovias, contanto que a sociedade brasileira, que fala da preservação da Amazônia, compreenda o que acontece conosco assim como a situação de Belo Monte. Estou maravilhado com o pessoal do sul, do nordeste e até do estrangeiro, que se dá conta da situação de Belo Monte. O que me deixa triste é o presidente, que já andou na Amazônia enquanto era candidato, que já foi um flagelado do nordeste, simplesmente nos considerar descartáveis.

Nossa energia hoje vem de Tucuruí. Para nossa surpresa veio um alemão querendo fazer um documentário sobre Tapajós. Quando ele chegou à comunidade de São Luiz, viu os postes de rua e perguntou o que eram. Era a energia de Tucuruí, que já chega no alto do Tapajós. Aí perguntam por que vão fazer outras hidrelétricas se já temos energia abundante. É isso que queremos com nossa cartilha, conscientizar.

IHU On-Line – Em que fase está o projeto de construção das hidrelétricas no rio Tapajós?

Edilberto Sena – O que sabemos é o que anuncia Tomas Kim, da Eletrobras, que, ainda no ano de 2010, eles irão fazer a abertura do leilão das hidrelétricas do Tapajós. Eles já fizeram os cálculos de quanta energia será gerada em São Luiz, em Jatobá, em Caí e em Ilha dos Patos. Eles analisam tudo pelo lado técnico e econômico. As hidrelétricas do Tapajós, juntas, gerarão 95% daquilo que eles anunciam que gerará Belo Monte, com a vantagem de que, no Tapajós, a diminuição da força da água é menor do que no Xingu. Tanto que os críticos estão dizendo que Xingu gerará 11 mil megawatts no inverno, mas vai gerar 1.500 no verão. No Tapajós, até agora, não disseram quanto será produzido no verão, mas certamente será mais do que Belo Monte.

IHU On-Line – Que tipo de informações estão chegando para os povos da região que serão atingidos pelas obras das hidrelétricas do rio Tapajós?

Edilberto Sena – O povo Munduruku é composto por cerca de 15 mil pessoas, em 105 aldeias. Eles tiveram uma assembleia de caciques há um mês, em frente à cidade de Jacareacanga. O pessoal da Frente em Defesa da Amazônia esteve lá, a convite deles, para levar cartilhas. Os Munduruku terão suas terras tomadas, por isso, os índios mandaram uma carta ao presidente Lula. Os índios mandaram dizer ao presidente que precisam do rio e da floresta, que não vai admitir que o governo venha tomar aquilo que é deles e que estão dispostos a enfrentar o governo. Nesta carta, havia um desenho de dois índios. Um deles estava com um tacape e uma flecha na mão e o outro com a cabeça sangrando. Os jovens quiseram dizer que nossos antepassados, quando iam para a guerra, cortavam a cabeça do inimigo, cozinhavam-na e comiam-na. Isso simboliza a cultura do povo Munduruku, um povo guerreiro. Publicamos esse desenho na carta, e a Folha de São Paulo e outros jornais de direita disseram que estamos estimulando o crime e a violência. O povo que escreve isso não raciocina, ou não quer raciocinar, que a violência está vindo de Brasília para cá. A violência é invadir sem dialogar.

Recentemente, o sítio Globo.org entrou em contato comigo, pediu-me uma cópia da cartilha para publicar. A entidade já sabia que nossa cartilha tem, em cada página, para facilitar a compreensão do povo, quadrinhos com historinhas. Um artista popular fez os quadrinhos muito bem e reproduziu a cultura Munduruku. Um deles traz uma freira perguntando para uma índia o que está para acontecer, e a índia com facão na mão dizendo que ia defender sua terra custe o que custar. O Globo.org queria publicar justamente este desenho, e não permiti. Ele me acusou de tirar seus direitos de expressão, mas disse que foi ele quem tirou meus direitos para utilizar o desenho de uma maneira desonesta e descontextualizada. Querendo dizer: Veja como o pessoal está revoltado e querendo fazer guerrilha. Fiquei chateado, mas mandei a cartilha para ser divulgada e proibi a divulgação daquela foto.

morte do rio tapajós

As cinco hidrelétricas no Rio Tapajós. ‘Nenhum rio, no mundo, suporta isso’. Entrevista com Telma Monteiro

IHU - Unisinos *

Adital -
"Nenhum rio, no Brasil e no mundo, pode suportar a construção de cinco hidrelétricas, ou até menos, em sequência. Hidrelétricas causam prejuízos imensuráveis à biodiversidade", desabafa Telma Monteiro no início da entrevista que concedeu à IHU On-Line, por telefone. Ela critica o projeto de construção do complexo de hidrelétricas do rio Tapajós, onde estão previstas cinco hidrelétricas em sequência. "O governo e seus aliados conseguiram passar as usinas do rio Madeira pela sociedade. Eles estão conseguindo passar com um trator por Belo Monte, embora estejamos resistindo bravamente. E se passarem Belo Monte, não vão ter qualquer dificuldade para aprovarem as hidrelétricas do Tapajós e todas as outras que forem planejadas para suprir a necessidade de obras para as grandes empreiteiras e de energia para as grandes eletro-intensivas", disse ela.
Telma Monteiro é coordenadora de Energia e Infra-Estrutura Amazônia da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O rio Tapajós suportará a construção das cinco hidrelétricas?
Telma Monteiro - Nenhum rio, no Brasil e no mundo, pode suportar a construção de cinco hidrelétricas, ou até menos, em sequência. Hidrelétricas causam prejuízos imensuráveis à biodiversidade, imagine cinco e em sequência. Neste caso se criariam cinco grandes lagos na região da bacia do Rio Tapajós em sequência. Isto transformaria esses rios em uma espécie de sistema lacustre.
IHU On-Line - Quais são as principais falhas no projeto do Complexo de Tapajós?
Telma Monteiro - Além daqueles que apontamos para todas as outras hidrelétricas, como foi a falha do processo de licenciamento do Rio Madeira, e estão sendo as falhas do processo de licenciamento de Belo Monte no Rio Xingu, no caso das hidrelétricas do Tapajós, os impactos seriam muito grandes. Inclusive na questão de atingir terras indígenas, que afetaria o povo Munduruku. Os munduruku estão na região do Tapajós e serão diretamente afetados. A relação desses índios com o ambiente natural é muito estreita, e, no próprio inventário hidrelétrico do Rio Tapajós, isto está muito claro.
A preservação e o desenvolvimento dessas culturas irão depender fundamentalmente da manuntenção desses grupos indígenas e de seus territórios. A continuidade de suas relações com o meio ambiente é muito importante. Quando você agride toda essa biodiversidade que irá servir aos povos indígenas, está fazendo com que morra a alma antes do corpo, que é a forma mais rápida de destruição das identidades étnicas. Acho que isso reflete muito bem o que esses grandes projetos de infraestrutura podem causar à Amazônia, em especial, nesses povos que já estão sendo afetados.
O projeto ainda nem começou, mas, pela simples menção de sua construção, esses povos já estão sendo afetados. Quando se tem uma ocupação, como no caso do Rio Madeira, esse precedente já é transferido para um novo local quando se anunciam a construção de novas hidrelétricas. Começam a fluir pessoas para esses locais, que passam a ocupar essa região de forma desordenada, e os municípios não estão preparados para esse processo migratório para a região. Na hora em que se tem a divulgação da questão das hidrelétricas nos rios Madeira, Xingu e Tapajós, é possível perceber que as pessoas já se mobilizam para chegarem a esses lugares e começarem a ocupar o espaço em busca de oportunidades de trabalho. Aí começa o caos na infraestrutura da região.
IHU On-Line - Já se sabe qual será a potência total de geração de energia do Complexo de Tapajós?
Telma Monteiro - Os estudos de viabilidade já estão prontos e estão sendo analisados. Esses estudos indicam que o potencial previsto é de 14.245 megawatts, isso para um conjunto de aproveitamento em cascata nos rios Tapajós e Jamanchim. Lógico que estão neste projeto os mesmos que estão nos outros projetos. Foi a CNEC engenharia, uma empresa da Camargo Correa, que fez os estudos. Inclusive a própria empresa Camargo Correa não objetiva gerar energia, mas construir obras. A Camargo Correa é que vai construir Jirau, está pretendendo participar do leilão de Belo Monte e também já está envolvida nos estudos do Rio Tapajós.
Na questão do Complexo de Tapajós, temos outro precedente. Lá estão as mesmas empreiteiras, cujo fim é apenas fazer obras, e não gerar energia. Na verdade, na falta de grandes obras de infraestrutura no Brasil durante algum tempo, estamos vendo agora uma verdadeira indústria de construção de barragens nos rios, em especial, na Amazônia.
As empresas começam a buscar uma forma original de apresentar as hidrelétricas para a sociedade. No caso do Complexo do Tapajós, é muito interessante: eles criaram uma nova figura, e isso foi um exercício da Eletrobrás, a da usina-plataforma.
IHU On-Line - A quem se destina toda a energia que será produzida nessas cinco hidrelétricas?
Telma Monteiro - Temos as grandes usinas eletrointensivas, que são aquelas cujo produto final requer um insumo maior de energia. Temos o beneficiamento do alumínio, primeiro com a extração da bauxita, que beneficia o alumínio. Antigamente, o Brasil exportava toneladas de material mineirado. Hoje, o país exporta quilos de alumínio. O que essas grandes empresas eletrointensivas como a Vale precisam? Precisam extrair a bauxita e beneficiar o alumínio, e isso acontece usando a energia hidrelétrica. O custo menor para elas é manter essas indústrias que beneficiam o minério perto de usinas hidrelétricas. Onde estão essas explorações? Estão justamente na Amazônia, a região com a maior riqueza mineral do planeta. E o que essas grandes empresas eletro-intensivas querem? Querem explorar toda essa riqueza. Veja que algumas já têm uma planta pronta para uma indústria em Altamira para beneficiar a indústria de alumínio.
IHU On-Line - O que está por trás da contratação das empresas Camargo Correa e Odebrecht?
Telma Monteiro - O que é a Odebrecht? Antes de mais nada, ela é uma grande empreiteira. Embora elas sejam empresas que detenham outras em diferentes setores, sua atividade principal são obras de grande porte. O que é uma grande barragem? É um conjunto imenso que utiliza concreto, é uma construção pesada, que necessita de muitas escavações em rochas e tudo isso não se consegue fiscalizar. Isso custa muito dinheiro! Quando você faz um conjunto de cinco hidrelétricas numa região como a do rio Tapajós e com uma tecnologia nova, como é que essas empreiteiras vão ser fiscalizadas, se aquele custo que elas apresentaram para a construção não pode ser fiscalizado? Por isso, grandes obras dão muito dinheiro para esse tipo de empresa. Essas empresas vivem disso, e não de gerar energia.
Belo Monte vive outro grande problema seríssimo, porque a energia que pretendem gerar lá é de 4500 megawatts médios. Isso é mentira. Há um estudo de 2006 que diz que é impossível gerar esse nível de energia, a não ser que se construam mais três energias hidrelétricas.
IHU On-Line - Querem construir no Rio Tapajós usina-plataforma. O que é isso?
Telma Monteiro - É um novo conceito revolucionário em hidrelétricas, como diz a Eletrobrás. A ideia é que a hidrelétrica será construída sem que se faça desmatamento. É isso que eles estão planejando. A Petrobrás até lançou uma cartilha com um material especial feito para que as comunidades se apropriem dessa nova "técnica" de usina-plataforma, que tem relação com plataformas de exploração de petróleo no mar. Nós não sabemos como isso pode ser transferido para o meio da floresta. Se diz que a usina-plataforma será feita sem que haja necessidade de canteiros de obras para os trabalhadores fazerem a usina, e esses trabalhadores serão levados e trazidos através de helicópteros no meio da mata. Segundo declarações do presidente Lula e do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, essas usinas-plataformas não ampliariam o desmatamento. Esta é uma coisa muito interessante, pois não se imagina como se pode fazer um reservatório de uma grande usina hidrelétrica, no meio da Amazônia, sem desmatamento. Temos duas opções: Ou o reservatório é virtual, ou ele paira.
IHU On-Line - O que significa a construção de dois projetos considerados "mega" como o do rio Tapajós e o de Belo Monte?
Telma Monteiro - Significa que, na esteira desses dois projetos, que vão afetar terras indígenas, a biodiversidade, a vida dos ribeirinhos, o custo-benefício-social não foi divulgado. Na realidade, não sabemos qual é o custo para a sociedade dos peixes que deixarão de fazer a migração para a reprodução. Essas externalidades não estão sendo consideradas e, se estão sendo consideradas, os números não estão aparecendo. Significa, portanto, que na esteira desses projeto há outros tantos, como bem disse nosso Ministro Edison Lobão, numa reunião em Brasília, que temos um potencial de desenvolvimento para gerar energia hidrelétrica inclusive em áreas preservadas e que até esses lugares estão no plano do governo de exploração.
O governo e seus aliados conseguiram passar as usinas do rio Madeira pela sociedade. Eles estão conseguindo passar com um trator por Belo Monte, embora estejamos resistindo bravamente. E se passarem Belo Monte, não vão ter qualquer dificuldade para aprovarem as hidrelétricas do Tapajós e todas as outras que forem planejadas para suprir a necessidade de obras para as grandes empreiteiras e de energia para as grandes eletro-intensivas.
IHU On-Line - Com tantos alertas e demonstrações que provam os riscos desses empreendimentos, por que, em sua opinião, os projetos continuam avançando? Quem pode impedir que essas barragens sejam construídas?
Telma Monteiro - Temos que repensar o planejamento energético brasileiro. Estão esquecendo de uma série de medidas que deveriam ser tomadas antes de se pensar em contruir megahidrelétricas no Brasil. Primeiro: quais são as perdas efetivas? Onde estão as contas que demostram quais as perdas que existem no sistema de transmissão do país? Ninguém fala disso. O próprio professor Célio Berman demonstrou, através de um estudo com a WWF, a necessidade de detectar quais as usinas que precisam de repotenciação. Porque você acha que a energia eólica não "pegou" ainda no Brasil? Porque não interessa às empreiteiras deixar que a eólica seja uma fatia substancial de geração de energia no país. Eólica não precisa de concreto, não tem barragem, não tem escavações. Então, enquanto tiver o lobby das grandes empreiteiras querendo fazer megabarragens, nós não teremos a necessidade de desenvolver hábitos de economia de consumo, por exemplo.

* Instituto Humanitas Unisinos

sexta-feira, 16 de julho de 2010

CARTA ABERTA SOBRE OS ACONTECIMENTOS NO RIO ARAPIUNS


“Os povos indígenas têm o direito de determinar
sua própria identidade ou pertencimento étnico, conforme
seus costumes e tradições, isso não impossibilita o
direito das pessoas indígenas em obter a cidadania dos
Estados em que vivem.” Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas - Nações Unidas, 13 de Setembro de 2007, artigo 33.


Nós, membros do Conselho Diocesano de Pastoral da Diocese de Santarém, reunidos nos dias 20 e 21 de Novembro no Centro de Formação Emaús, Santarém, depois de uma reflexão sobre os últimos acontecimentos ocorridos no Rio Arapiuns, vimos, por este meio, manifestar nosso total apoio à luta das comunidades do Rio Arapiuns pela preservação de sua biodiversidade e identidade cultural e manifestamos nosso repúdio à forma como o Estado do Pará trata a população local e ao modo como alguns meios de comunicação mostraram os acontecimentos.
Diante da gravidade da situação declaramos:
1. Reconhecemos que as comunidades do rio Arapiuns são compostas de comunidades indígenas e povos tradicionais e como tal devem ser reconhecidos como “ grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”.
2. Reconhecemos que o desmatamento, a exploração madeireira, o cultivo da soja e a pecuária extensiva representam alguns dos grandes problemas que desestabilizam este mundo cultural.
3. Temos a convicção de que estas populações utilizam os recursos provenientes da cobertura florestal e usam os recursos no presente sem comprometer o futuro e que esta relação de dependência entre os comunitários e a floresta torna as populações tradicionais mais vulneráveis à ação externa, transformando-as nas principais vítimas da destruição do meio ambiente, ocasionada pela cultura exploratória que impera na Amazônia.
4. Apesar de o governo brasileiro ter manifestado o compromisso de avançar na proteção dos direitos dos povos indígenas e tradicionais, de acordo com parâmetros internacionais e com base no apoio do País à Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para esses povos e à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas sentimos que ainda faltam esforços e ações públicas que garantam a autodeterminação dessas populações, no sentido de permitir-lhes o controle de suas próprias vidas, de suas comunidades e de suas terras.
5. Repudiamos a ação do Governo do Estado do Pará que até agora permitiu que os direitos dessas comunidades sobre a terra e sobre os recursos naturais disponíveis nela sejam frequentemente ameaçados de invasões e ocupações indevidas. A ocupação das terras dos povos tradicionais do Arapiuns em busca da extração de recursos naturais tem causado diversos problemas às comunidades, incluindo insegurança e violência.
6. Repudiamos a cobertura dos acontecimentos feita por alguns meios de comunicação que usaram de parcialidade e nunca deram os meios de resposta à população do Arapiuns, tratando inclusive os manifestantes de vândalos e criminosos.
7. Repudiamos a tentativa de difamação contra membros da Igreja que são apresentados como responsáveis pelo processo de “ inventar a existência de ìndios na região”. Lembramos que Frei Florêncio OFM é filho da região e doutor em Antropologia e sociologia e, portanto, tem mais elementos para fazer uma análise antropológica dos povos da região do que alguns “investigadores” de plantão.
Finalmente recomendamos vivamente:
1. O respeito às questões indígenas e a necessidade de respeito total à diversidade cultural.
2. Que o governo do Estado do Pará garanta que as comunidades do Rio Arapiuns tenham pleno controle sobre as terras e os recursos naturais que fazem parte dela. Para isso a Convenção 169 da OIT, assinada pelo governo brasileiro em 2004, deve ser observada e respeitada.

SANTARÉM, 21 DE NOVEMBRO DE 2009

LEI FICHA LIMPA

Após um intenso trabalho de coleta de assinaturas e diversas audiências, até chegar à aprovação do Projeto de Lei de iniciativa popular Ficha Limpa, o Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral (MCCE) pode comemorar. A LEI FOI APROVADA. Parabéns para você que assinou a lista de coleta de assinaturas. Parabéns para você que se empenhou na coleta dessas assinaturas.
A Lei da Ficha Limpa, que altera a Lei das Inelegibilidades (LC 64/90), proíbe que políticos com condenação na Justiça em segunda instância ou por decisões colegiadas se candidatem em eleições. De acordo com o TSE, "a nova lei prevê que candidatos com condenação criminal por órgão colegiado, ainda que caiba recurso, ficarão impedidos de obter o registro de candidatura, pois serão considerados inelegíveis". O tempo de inelegibilidade passou de três para oito anos.
Jovita José Rosa, diretora da secretaria executiva do MCCE, disse que esta vitória significa muito não só para o movimento, mas para todo o povo brasileiro. "É a realidade de um sonho que era utópico, a gente barrar pessoas que queriam entrar para política para se beneficiar da impunidade, chamada de imunidade parlamentar", declarou.
Com a aprovação final do projeto Ficha Limpa no Senado e a sanção da lei, sem vetos, pelo presidente Lula, o improvável aconteceu. Até porque a atual legislatura, com sua longa crônica de desvios éticos, demonstra ser uma das mais refratárias aos sentimentos do Brasil real, aquele fora do Plano Piloto. Mesmo assim, deu certo a grande mobilização deflagrada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), responsável por obter mais de 1,5 milhão de assinaturas para, conforme previsto na Carta, encaminhar ao Congresso, na forma de um projeto de lei de origem popular, normas visando a dificultar o acesso de fichas-sujas à vida pública.
Como parte do jogo político em qualquer democracia representativa, o projeto original foi alterado em negociações no Congresso.
Uma das principais mudanças atenuou a proposta de ser rejeitado o pedido de registro de candidatura de qualquer condenado em primeira instância. Na lei aprovada, vale apenas condenação por colegiado de magistrados — no recurso do primeiro veredicto —, e dá-se, ainda, à pessoa o direito de ir à Corte superior para a decisão final.
Foi incluída na lei a antiga reivindicação de se fechar a porta da renúncia ao parlamentar sob risco de cassação. Agora, não existe mais este paraquedas: renunciou, perdeu os direitos políticos.
Mas será da Justiça o pronunciamento final para se poder comemorar toda esta mobilização, e talvez o primeiro grande exemplo de como a internet pode ser usada como arma do bem, no aperfeiçoamento das instituições.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu ontem que a Lei de Iniciativa Popular Ficha Limpa, valerá para as eleições deste ano.


"LEI COMPLEMENTAR Nº 135, DE 4 DE JUNHO DE 2010
Altera a Lei Complementar no 64, de 18 de Maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei Complementar:
Art. 1o Esta Lei Complementar altera a Lei Complementar no 64, de 18 de Maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências.
Art. 2o A Lei Complementar no 64, de 1990, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 1o ...................................................................................................................................
I – ............................................................................................................................................
....................................................................................................................................................
c) o Governador e o Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal e o Prefeito e o Vice-Prefeito que perderem seus cargos eletivos por infringência a dispositivo da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término do mandato para o qual tenham sido eleitos;
d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:
1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;
2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;
3. contra o meio ambiente e a saúde pública;
4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade;
5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública;
6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;
7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;
8. de redução à condição análoga à de escravo;
9. contra a vida e a dignidade sexual; e
10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando;
f) os que forem declarados indignos do oficialato, ou com ele incompatíveis, pelo prazo de 8 (oito) anos;
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;
h) os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;
..........................................................................................................................
j) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição;
k) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura;
l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;
m) os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional, pelo prazo de 8 (oito) anos, salvo se o ato houver sido anulado ou suspenso pelo Poder Judiciário;
n) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, em razão de terem desfeito ou simulado desfazer vínculo conjugal ou de união estável para evitar caracterização de inelegibilidade, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão que reconhecer a fraude;
o) os que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial, pelo prazo de 8 (oito) anos, contado da decisão, salvo se o ato houver sido suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário;
p) a pessoa física e os dirigentes de pessoas jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão, observando-se o procedimento previsto no art. 22;
q) os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos;
...........................................................................................................................................
§ 4o A inelegibilidade prevista na alínea e do inciso I deste artigo não se aplica aos crimes culposos e àqueles definidos em lei como de menor potencial ofensivo, nem aos crimes de ação penal privada.
§ 5o A renúncia para atender à desincompatibilização com vistas a candidatura a cargo eletivo ou para assunção de mandato não gerará a inelegibilidade prevista na alínea k, a menos que a Justiça Eleitoral reconheça fraude ao disposto nesta Lei Complementar.” (NR)
“Art. 15. Transitada em julgado ou publicada a decisão proferida por órgão colegiado que declarar a inelegibilidade do candidato, ser-lhe-á negado registro, ou cancelado, se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido.
Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput, independentemente da apresentação de recurso, deverá ser comunicada, de imediato, ao Ministério Público Eleitoral e ao órgão da Justiça Eleitoral competente para o registro de candidatura e expedição de diploma do réu.” (NR)
“Art. 22. ................................................................................................................................
..................................................................................................................................................
XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;
XV – (revogado);
XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.
............................................................................................................................................” (NR)
“Art. 26-A. Afastada pelo órgão competente a inelegibilidade prevista nesta Lei Complementar, aplicar-se-á, quanto ao registro de candidatura, o disposto na lei que estabelece normas para as eleições.”
“Art. 26-B. O Ministério Público e a Justiça Eleitoral darão prioridade, sobre quaisquer outros, aos processos de desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade até que sejam julgados, ressalvados os de habeas corpus e mandado de segurança.
§ 1o É defeso às autoridades mencionadas neste artigo deixar de cumprir qualquer prazo previsto nesta Lei Complementar sob alegação de acúmulo de serviço no exercício das funções regulares.
§ 2o Além das polícias judiciárias, os órgãos da receita federal, estadual e municipal, os tribunais e órgãos de contas, o Banco Central do Brasil e o Conselho de Controle de Atividade Financeira auxiliarão a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral na apuração dos delitos eleitorais, com prioridade sobre as suas atribuições regulares.
§ 3o O Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público e as Corregedorias Eleitorais manterão acompanhamento dos relatórios mensais de atividades fornecidos pelas unidades da Justiça Eleitoral a fim de verificar eventuais descumprimentos injustificados de prazos, promovendo, quando for o caso, a devida responsabilização.”
“Art. 26-C. O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1o poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.
§ 1o Conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá prioridade sobre todos os demais, à exceção dos de mandado de segurança e de habeas corpus.
§ 2o Mantida a condenação de que derivou a inelegibilidade ou revogada a suspensão liminar mencionada no caput, serão desconstituídos o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao recorrente.
§ 3o A prática de atos manifestamente protelatórios por parte da defesa, ao longo da tramitação do recurso, acarretará a revogação do efeito suspensivo.”
Art. 3o Os recursos interpostos antes da vigência desta Lei Complementar poderão ser aditados para o fim a que se refere o caput do art. 26-C da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, introduzido por esta Lei Complementar.
Art. 4o Revoga-se o inciso XV do art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.
Art. 5o Esta Lei Complementar entra em vigor na data da sua publicação.
Brasília, 4 de junho de 2010; 189o da Independência e 122o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto
Luis Inácio Lucena Adams
Este texto não substitui o publicado no DOU de 7.6.2010"

O QUE É PARTICIPAÇÃO POLÍTICA? É SÓ VOTAR?

A participação na sociedade em que vivemos ficou restrita, para muita gente, à hora em que se vota. Depois são os nossos representantes, os políticos profissionais, por nós eleitos, que têm a missão de agir em nosso nome.
Querem nos fazer crer que a nosso única função como cidadãos é votar. “Depois…deixem comigo, não se preocupem.” Será mesmo assim?
Como cidadãos conscientes devemos saber que com isto se esvazia o real sentido da democracia. Esta foi reduzida a um simples modelo de seleção de representantes via voto, portanto, sem a participação efetiva da sociedade civil organizada.
“O consenso democrático liberal baseia-se numa concepção minimalista da democracia. Esta concepção, que restringe a participação ao seu mínimo, busca transformar os conflitos inerentes a qualquer sociedade plural em questões meramente tecnocráticas e gerenciais (Dagnino, Olvera e Panfichi, 2006). O último elemento deste consenso é o primado do direito e dos tribunais. Trata-se da criação das condições necessárias para que a economia de mercado possa se desenvolver sem maiores percalços, através da garantia da propriedade privada e da previsibilidade e garantia dos contratos e normas legais que regem as transações econômicas.”
Existe a necessidade de mecanismos de controle da sociedade civil sob os atos do governo através da participação direta de todo o cidadão no dia a dia da comunidade onde está inserido.
QUAL DEVE SER MINHA OPÇÃO?
VOTE E PARTICIPE!
A pior posição seria do descrédito: “não adianta votar, todos são iguais, nada vai mudar”. A nossa história oferece bons exemplos de muitos lutadores pela conquista da democracia e de grande capacidade de superar crises.
Há sinais evidentes de que no mundo inteiro e em especial na América Latina, a população está ansiosa por mudanças profundas nos sistemas político e econômico, objetivando assegurar vida e esperança plenas para todos. Sinal extremamente positivo: os povos indígenas, por tanto tempo desprezados, têm papel fundamental neste processo.
Cresce em todos os níveis, do local ao mundial, a mobilização de setores da população contra as múltiplas formas de opressão do poder econômico. Em resposta às necessidades básicas e prioritárias da maioria da população, os cidadãos conscientes propõem modelos alternativos como a economia solidária e sustentável.
Em face das dramáticas mudanças climáticas que o mundo está sofrendo por causa da ação predatória do sistema produtivista-consumista, cresce a consciência ecológica e o desejo de buscar um outro modelo de desenvolvimento, voltado não para o lucro e sim para a vida, não para a produção ilimitada, mas para a humanidade, onde se produza aquilo de que precisamos, sem destruir a Terra.
A multiplicação de fóruns sociais, como espaços de debates, de trocas de experiências e de busca de práticas alternativas, é indicativo do crescimento da consciência política da sociedade civil.
Merecem destaque as numerosas iniciativas em favor da paz entre os povos, religiões e etnias de um mesmo país, bem como o esforço para universalizar os direitos humanos, políticos, civis, econômicos, sociais, culturais e ambientais.

E NA NOSSA REGIÃO?

Na nossa região merecem destaque especial, nos últimos anos:
 a maior participação dos cidadãos nos Conselhos de Políticas Públicas nos níveis municipais, estadual e federal.
 a luta em favor da reforma agrária;
 as mobilizações contra os projetos hidrelétricos no Tapajós.
 A luta das comunidades do Arapiuns para manterem a soberania sobre seu território.
 A luta das Comunidades da Região de Santa Maria do Uruará conqustando a criação da Renascer e a exspulsão dos madeireiros, reconquistando assim seus territórios.
 A Criação dos conselhos de Pesca, equipes de Justiça e paz, os movimentos em favor da proteção dos espaços públicos tanto na cidade, como no interior
Muitas iniciativas e lutas do povo estão aí. Falta você participar.ISSO É SER CIDADÃO E EXERCER SUA CIDADANIA.












D. ORIENTAÇÕES PARA A AÇÃO
A metodologia Ver – Julgar – Agir - Rever, assumida pela pastoral da Igreja Católica na América Latina e Caribe, e de modo especial no Brasil, deverá ser o instrumento norteador das ações neste momento eleitoral. Sugerimos algumas ações simples e eficazes para serem desenvolvidas pelos grupos, interessados em trabalhar pela conquista do voto cidadão.

1. Preparando a ação do grupo:
 Reúnam-se em grupo. Pode ser um grupo pastoral, de jovens, de moradores, de oração, de estudos ou comunitário. Leia esta documento cartilha.
 discutam cada um dos títulos da cartilha e promova pequenos debates e questionamentos, buscando sempre associar os temas apontados a elementos da realidade – conhecidos e vivenciados – pelos participantes do grupo;
 elaborem uma síntese de cada um dos títulos do documento, procurando transformar em perguntas cada um dos aspectos que julgar importante.

2. Conhecendo a sua realidade eleitoral (VER)
Agora que vocês já refletiram sobre as principais preocupações que estão em jogo neste momento eleitoral, é preciso saber o que a realidade de sua região aponta. Nesse sentido, é preciso que vocês:
 pesquisem quais e quantos são os cargos de deputados estaduais, federais, senadores, governador e Presidente da República e suas funções em sua região eleitoral;
 identifiquem quais são os partidos e as coligações que estão habilitados às candidaturas e quais são os candidatos em cada legenda;
 confeccionem um cartaz ou mural com os resultados de sua pesquisa. Deixe estas informações bem visíveis ao grupo. Divulgue em seus meios;
 busquem informações junto aos candidatos ou junto aos comitês eleitorais. Assista aos programas de propaganda política. Escute os programas de rádio, as plataformas eleitorais dos candidatos;
 elaborem, um resumo das plataformas eleitorais, idéias, projetos, promessas, intenções.

3. Analisando a sua realidade eleitoral (JULGAR)
Agora que vocês já estudaram este texto e já conhecem o que pensam os candidatos, promovam o seguinte debate:
 quais são os partidos, coligações, legendas e candidatos que têm pensamentos mais sintonizados aos do grupo em relação aos temas discutidos anteriormente?
 quais são os partidos, coligações, legendas e candidatos que têm pensamentos mais distantes aos do grupo em relação aos temas discutidos anteriormente?
 elaborem um documento que contenha as opiniões e os principais questionamentos do grupo e guarde-os para a próxima etapa.

4. Trabalhando para a conquista do voto cidadão (AGIR)
O momento é de definição ou confirmação de um voto consciente e cidadão:
 promovam debates com candidatos, a partir dos documentos lidos e produzidos pelo grupo. Quando o debate não for possível presencialmente, assistam pela televisão ou escute pelo rádio os programas de propaganda eleitoral e discuta com o seu grupo;
 promovam seminários sobre a realidade regional, identifiquem os principais problemas e necessidades e vejam qual a disposição dos candidatos e quais são as suas propostas para implementar ações que atendam a estas necessidades;
 divulguem os resultados dos debates junto às paróquias, escolas, universidades, comunidades, questionando sempre as posturas e promessas dos candidatos frente aos princípios valorizados pelo grupo;
 estimulem que momentos de encontro coletivo (aulas, reuniões de sindicatos e associações) contemplem o “momento cidadão” em que os temas do cenário eleitoral sejam motivo de conversa, reflexão e discussão.
 procurem diferentes meios de comunicação: rádios, jornais comunitários, panfletos, mensagens faladas ou escritas de grupos ou celebrações, para estimular o voto cidadão;
 busquem indícios de corrupção eleitoral: compra de votos, promessas de vantagens financeiras ou materiais, boca de urna, entre outros. Denunciem junto à comunidade e junto aos órgãos de fiscalização eleitoral.

5. Valorizando o voto cidadão (REVER)
O processo democrático é muito maior que o ato de votar. Passadas as eleições é que começa o mais profundo exercício da democracia:
 reúnam novamente o grupo logo após a divulgação dos resultados do pleito;
 elaborem um cartaz ou mural com todos os candidatos eleitos e com suas plataformas políticas;
 constituam um grupo permanente de acompanhamento do “mandato cidadão”; agora esse grupo tem 4 anos para acompanhar, intervir, cobrar e mudar os destinos da nação.

CAMPANHA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL QUE ESTABELECE UM LIMITE MÁXIMO À PROPRIEDADE DA TERRA NO BRASIL

FÓRUM NACIONAL PELA REFORMA AGRÁRIA E JUSTIÇA NO CAMPO
"UMA MEDIDA DE JUSTIÇA:
ACABAR COM - 500 ANOS DE - LATIFÚNDIO:
REPARTIR A TERRA PARA MULTIPLICAR O PÃO"
1) O que é a Campanha?
Trata-se de uma ação de conscientização da sociedade brasileira a respeito da injusta realidade agrária do País e uma conseqüente ação de pressão sobre os parlamentares para que introduzam na Constituição Federal dispositivos que limitem o tamanho da propriedade da terra no Brasil, eliminando os latifúndios.
Entre os direitos que são assegurados ao cidadão e cidadã brasileiros, o inciso XXII do artigo 5 dispõe que "é garantido o direito à propriedade". Esta disposição constitucional é interpretada como garantia de um direito absoluto e ilimitado, legitimando a concentração nas mãos de poucas pessoas e grupos imensas áreas, enquanto a maioria se encontra excluída. Estas poucas pessoas, os latifundiários, há 500 anos impedem através da força e com base nestes argumentos e em leis por eles mesmos aprovadas, que seja promovida uma ampla distribuição das terras no Brasil. São eles os principais responsáveis por este disparate representado pela concentração fundiária vigente no País, que emperra seu desenvolvimento.
2) Há ainda muita terra nas mãos de latifundiários no Brasil?
Infelizmente sim. Uma breve análise da estrutura agrária brasileira, com base nos dados do Atlas Fundiário do Incra, mostra que existem 3.114.898 imóveis rurais cadastrados no país que ocupam uma área de 331.364.012 ha. Desse total, os minifúndios representam 62,2 % dos imóveis, ocupando 7,9 % da área total. No outro extremo verifica-se que 2,8 % dos imóveis são latifúndios que ocupam 56,7 % da área total. Lamentavelmente, o Brasil ostenta o deplorável título de país com o quadro de segunda maior concentração da propriedade fundiária, em todo o planeta.
À concentração soma-se a improdutividade da terra. O Incra considera que, na média nacional, 62,4 % da área total dos imóveis rurais no país é improdutiva.
3) Mas o governo não vive dizendo que está realizando a reforma agrária?
Dizer, diz, só que isto não é verdade. A reforma agrária no Brasil, até hoje, nunca foi tratada como uma prioridade. No governo atual, que não deixa de se autoproclamar, em todos os momentos, como tendo sido aquele que realizou o maior número de assentamentos - e realmente o fez - as iniciativas ainda são muito tímidas e, somente realizadas em função da pressão exercida pelos movimentos sociais.
O discurso governamental afirma sua oposição ao latifúndio, mas a política agrária do Governo Federal desapropriou, nos últimos três anos somente 3,4 milhões de hectares, ou seja, menos de 2 % dos hectares necessários para assentar todas as famílias sem terra, estimadas em pelo menos 4,5 milhões. Neste ritmo seriam necessários no mínimo 50 anos para assentar todos os trabalhadores rurais sem-terra do país!
4) Quais as conseqüências disto para a situação no campo brasileiro?
Baseado na concentração da propriedade da terra, e sem uma política econômica que viabilize a produção agrícola, o processo de desenvolvimento no campo brasileiro tem sido extremamente excludente. Nos últimos 25 anos, mais de 30 milhões de camponeses deixaram o campo, contribuindo para o inchaço descontrolado dos centros urbanos, com todas as conseqüências que conhecemos.
O processo de modernização agrícola aumentou a exploração dos trabalhadores rurais. À grande maioria dos assalariados rurais ainda são negados os direitos legais mínimos. Dos que recebem até um salário mínimo, somente 22,5% possuem carteira assinada. Segundo pesquisa nacional por amostragem de domicílio, feita em 1995, das 16,3 milhões de crianças brasileiras, 522.185 (na faixa etária entre 05 e 06 anos) estavam no mercado de trabalho, e destas 423.679 na agricultura. Não menos grave é a situação de trabalho a que estão submetidas as mulheres trabalhadoras rurais, com dupla ou tripla jornada de trabalho e salários menores. Esta realidade tem se agravado nos últimos anos, sendo constatadas inclusive formas diversas de trabalho escravo, tanto nas regiões de fronteira agrícola (Norte e Centro-Oeste), bem como nas áreas mais desenvolvidas.
5) Como estão reagindo diante disto os movimentos sociais no campo?
Diante desta realidade, vários segmentos sociais camponeses vem se organizando e mobilizando para a conquista dos seus direitos e a alteração da atual realidade agrária. Estas lutas, que acontecem de forma autônoma ou articulada entre as diversas organizações representativas dos trabalhadores rurais, contam com aliados na sociedade nacional e internacional, e tem por objetivo a gestação de um novo modelo de desenvolvimento no campo, agrícola e ecologicamente sustentável e socialmente justo, que respeite as diversidades culturais e regionais. Este modelo compreende um amplo processo de reforma agrária e democratização do acesso à terra, o fortalecimento da agricultura familiar agrícola e extrativista, a defesa dos direitos e o fim da violência e da impunidade dos crimes contra os trabalhadores.
Para alcançar seus objetivos, as entidades tem alcançado resultados importantes mediante a realização de ocupações de terras que mobilizam hoje milhares de camponeses e é o mais importante instrumento de pressão sobre o Poder Público.
6) E a população das cidades, o que tem a ver com isto?
A reforma agrária passou a ser entendida pela sociedade como uma solução não somente para os setores do campo, mas também como uma proposta para o conjunto da sociedade, como fator de geração de emprego e renda, de diminuição do êxodo e do inchaço das cidades, de distribuição de terra e de renda, ou seja de desenvolvimento sustentável. A história inclusive mostra que a maioria dos países que hoje são considerados desenvolvidos, possuem uma agricultura forte e passaram por processos amplos de reforma agrária, isto é, de repartição das terras ou de limitação do seu tamanho. Numa palavra, a reforma agrária traz desenvolvimento!
Com essa intuição, e indignada com os recentes massacres de camponeses, a sociedade brasileira passou a apoiar a realização da reforma agrária e os movimentos de luta pela terra.
7) A reforma agrária não vai simplesmente "repartir a pobreza" no campo?
Estudo recente constata que 40.000 famílias assentadas recentemente pelo Governo produzem alimentos para o mercado interno e para exportação, obtendo uma renda média mensal de dois a três salários mínimos. Isso mostra o potencial da reforma agrária na geração de emprego e riqueza. Com todas as adversidades, a agricultura familiar responde hoje por 80% do abastecimento dos produtos que compõe a cesta básica e emprega quase 90% da mão-de-obra no campo.
A pequena propriedade gera um emprego a cada 5 ha enquanto o latifúndio precisa de 223 ha para gerar um emprego. O Brasil é um dos únicos países do mundo, onde há pessoas nas cidades, querendo voltar ao campo. Dado o desemprego e a deterioração da qualidade de vida nos centros urbanos brasileiros, a vida nas cidades fica cada vez mais insustentável. Neste contexto, a reforma agrária é um elemento central de um novo rumo para o desenvolvimento no Brasil.
8) Como a Instituição de um Limite Máximo da Propriedade pode ser introduzida na legislação, no sentido de impulsionar a reforma agrária?
Trata-se de introduzir um instrumento constitucional que viabilize e agilize a Reforma Agrária. No mesmo artigo 186, em que a Constituição define função social da propriedade, queremos introduzir um inciso V, limitando o tamanho de todo latifúndio no Brasil a área correspondente, no máximo, a 35 módulos fiscais.
A redação da Emenda ficaria da seguinte maneira:
"V - área total do imóvel correspondente a, no máximo, trinta e cinco módulos fiscais, no conjunto das áreas, em todo o território nacional, sob o domínio, a qualquer título, de uma mesma pessoa física ou jurídica.
Parágrafo único. O requisito fixado no inciso V será auto-aplicável, sendo que a incorporação ao patrimônio público de imóvel rural com área acima do limite estabelecido nesse inciso será livre de indenização, ao titular, do respectivo valor da terra nua correspondente à parcela de área excedente aos trinta e cinco módulos fiscais."
9) Mas o que é módulo fiscal?
O módulo fiscal constitui uma referência de área definida pelo INCRA, que varia conforme a região, e é definido para cada Município a partir de vários fatores, como a qualidade do solo, o relevo, as condições de acesso ao local, entre outros aspectos. Terras acima de 35 módulos fiscais seriam automaticamente incorporadas ao patrimônio público. Nos Estados do Sul, cujo módulo fiscal gira em torno de 25 ha, este limite estaria em torno de 700 ha. Nos Estados do Norte, aonde o tamanho do módulo é cerca de 100 ha, este limite seria de 3500 ha. A introdução desta medida resultaria portanto numa disponibilização imediata de grandes extensões de terras para as famílias acampadas, sem que para tanto tenham de ser gastos recursos públicos no campo da indenização dos proprietários. Recursos que são hoje gastos em processos desapropriatórios, poderiam ser então empregados no apoio à infra-estrutura, ao crédito subsidiado e à assistência técnica visando a viabilização dos assentamentos.
10) Como é possível contribuir para que esta proposta de Emenda Constitucional seja efetivamente incorporada?
O Fórum Nacional pela Reforma Agrária e pela Justiça no Campo* conclama a todas as pessoas para que expressem o seu apoio à Campanha, divulgando e mobilizando escolas, locais de trabalho, associações, sindicatos, a respeito da necessidade da incorporação na Constituição Brasileira de uma Emenda que estabeleça limite máximo de propriedade no nosso país.
Vale destacar que a motivação desta iniciativa não se deve a razões de cunho ideológico. Decorre, exclusivamente, do entendimento de sua relevância para os interesses social e nacional, face o imperativo da extirpação definitiva do latifúndio, como pressuposto de um futuro econômico promissor para o país, em bases democráticas concretas para a sua população.
Trata-se portanto de criar as condições institucionais para a efetiva superação do latifúndio no Brasil; o maior e mais renitente dos anacronismos da estrutura social brasileira, responsável pelo atraso econômico e pela exclusão da cidadania de parte de milhões de brasileiros.






A Campanha e o Plebiscito têm ainda o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB e do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil - Conic. Este apoio vincula diretamente a consulta popular à Campanha da Fraternidade 2010, que é ecumênica e tem como tema "Economia e vida". "O Plebiscito será o gesto concreto da Campanha da Fraternidade",

O QUE FAZER?
• FALE, COMENTE, PARTICIPE
• PENSE UM COMITÊ LOCAL PARA ORGANIZAR O PLEBISCITO
• ORGANIZE UM LOCAL DE VOTAÇÃO E PROCURE AS LISTAS DE VOTAÇÃO NA PASTORAL SOCIAL OU NA SUA PARÓQUIA OU ENTIDADE.
• VOTE
• ASSINE O ABAIXO ASSINADO QUE SERÁ ENVIADO PARA O CONGRESSO NACIONAL PARA QUE SEJA VOTADA A EMENDA CONSTITUCIONAL QUE PONHA UM LIMITE AO TAMANHO DAS PROPRIEDADES.
• VOTE EM CANDIDATOS COMPROMETIDOS COM A PROPOSTA DO LIMITE AO TAMANHO DAS PROPRIEDADES.
• EXERÇA A SUA CIDADANIA.

terça-feira, 6 de julho de 2010

PARECER SOBRE ZEE BR163

LEIAM COM ATENÇÃO A PARTIR DO Nº 4
FUNDAÇÃO RIO PARNAÍBA – FURPA




PARECER Nº. 001/2009 – FURPA/SAMAN

PROCESSO MMA/CONAMA Nº. 02000.000229/2009-16
INTERESSADO: ESTADO DO PARÁ
RESUMO: ZEE DA ÁREA DE INFLUÊNCIA DA BR-163 – OESTE DO PARÁ


Manifesta-se sobre a Proposta de Recomendação ao Poder Executivo Federal autorizar a redução, para fins de recomposição, da Área de Reserva Legal dos imóveis situados nas Áreas Produtivas (Zonas de Consolidação e Expansão) definidas no artigo 5º, inciso I, da Lei Estadual nº. 7243, de 9 de janeiro de 2009, do Estado do Pará.


1 – Histórico do processo

1.1 - O Poder Executivo Estadual do Pará sancionou a Lei nº. 7243, em 9 de janeiro de 2009, dispondo sobre o Zoneamento Ecológico-Econômico da Área de Influência das Rodovias BR-163 (Cuiabá-Santarém) e BR-230 (Transamazônica) no Estado do Pará – Zona Oeste, encaminhada pelo Governo Estadual do Pará ao Ministério do Meio Ambiente, aprovada pela Comissão Ministerial Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico do Território Nacional, após então encaminhada pela citada Comissão para apreciação e deliberação do Conselho Nacional do Meio Ambiente. O CONAMA enviou-a e pediu pela sua aprovação em reunião conjunta entre a 49ª Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos e a 19ª Câmara Técnica de Gestão Territorial e Biomas, o que motivou a inclusão da matéria na pauta da 93ª Reunião Ordinária do CONAMA, realizada em 11 de março de 2009, cujo processo recebeu pedido de vista da Fundação Rio Parnaíba – FURPA, representante das Entidades Ambientalistas da Sociedade Civil no CONAMA, por razão da necessidade de maiores estudos e considerações, pela qual se apresenta este Parecer.

2 – O Zoneamento Ecológico-Econômico

2.1 – Considerações do pesquisador Henri Acselrad, professor-titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em artigo intitulado “Zoneamento Ecológico-Econômico: entre a ordem visual e mercado-mundo ”, revelam que o debate sobre o planejamento territorial da Amazônia passou a incorporar elementos do discurso ambiental somente a partir da segunda metade dos anos oitenta.
2.2 - Em relação ao Zoneamento Ecológico-Econômico - ZEE, instrumento metodológico e elemento ordenador do território regional, o autor aponta que “criado em 1990, o Programa de Zoneamento Ecológico-Econômico do governo federal, que inicialmente compreendia apenas a Amazônia Legal, teve, em 1992, sua abrangência ampliada para todo o território nacional”. Discorre o autor:

“...” O prestígio do Zoneamento como instrumento promissor de um ordenamento territorial ecologizado difundiu-se desde então com força através dos distintos momentos em que programas e instrumentos legais, hierarquias, pacotes financeiros e redesenhos institucionais foram sendo propostos para o planejamento na Amazônia por governos sucessivos. O Programa Nossa Natureza, em 1989, a Comissão Coordenadora do ZEE da Amazônia criada em 1990 e o Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais financiado pelo G7, com início em 1991, são alguns marcos deste processo. Ao longo das diferentes conjunturas, o ZEE foi assumindo diferentes conteúdos, mais ou menos restritos ao domínio interno das burocracias públicas, de agências de desenvolvimento, consultorias técnicas, e com maior ou menor existência concreta efetiva (...) na realidade sócio-política do território amazônico. Nestas conjunturas, em que condições de financiamento internacional, pactações políticas regionais e nacionais, bem como pressões de movimentos sociais internacionais e locais, variaram em sua configuração e peso relativo, a idéia do ZEE foi sendo demarcada por distintas ênfases, motivações e estratégias argumentativas “...” (Acselrad, 2004).

2.3 - Consultor do então Programa de Zoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal – PZEEAL, o economista Manfred Nitsch , que em 1993 atuou na região como pesquisador do programa de cooperação científica bilateral Brasil-Alemanha, associado ao Programa Piloto do Grupo dos Sete (PPG-7), qualificou o ZEE como “um instrumento ecológica e socialmente contraproducente, sustentado por uma aliança eco-tecnocrata que une o velho autoritarismo ao novo ecologismo”.
2.4 – O consultor, que posteriormente trabalhou como pesquisador-visitante do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), quando da elaboração do “Detalhamento da Metodologia para Execução do ZEE pelos Estados da Amazônia Legal”, argumenta que em diversas discussões públicas, suas contribuições foram internalizadas na base do planejamento do zoneamento, porém, afirma que incorporou-se somente parte de suas críticas, “no nível semântico”, sem que tivessem tomado a sério o seu conteúdo . O pesquisador reclama que os problemas científicos fundamentais e as conseqüências políticas e ecológicas das metodologias básicas do ZEE sofrem do problema fundamental de não refletir a diferença (...) básica entre o que é (Sein, em alemão) e o que deve ser (Sollen, em sua língua materna), em relação aos estudos científicos relacionados ao território amazônico. Segundo o pesquisador:

“...” Hipostasiar ou definir o deve ser da futura situação de homem e natureza num certo território (...) reflete certas tradições positivistas e tecnocratas do século passado, por tanto tempo já vencidas (...). Por isso, se eliminou a palavra “vocação“ dos textos mais recentes. Porém, não se captou a essência da crítica, que não foi semântica, mas fundamentalmente de conteúdo do exercício “...” (Nitsch, 1998).

2.5 – Segundo o pesquisador, o aspecto que problematiza ecologicamente as metodologias utilizadas para o planejamento do ZEE, diz respeito à vocação de suas “Zonas”, no sentido de indicação, no território, do que deve existir ou não existir. Segundo o consultor do PPG-7, Manfred Nitsch, o afã de “determinar a vocação de todos os sub-espaços que compõem um certo território” (Apud Ab’Saber 1989:4) contém outro aspecto altamente problemático do ZEE, qual seja, o fato de que “todos os sub-espaços” (...) deveriam ser mais estudados, levando em consideração “que sem esses estudos não se pode avançar no ordenamento territorial” (ibid Ab’Saber 1989). O pesquisador aponta que:

“...” A palavra “determinar“ na citação de Ab’Saber dá a oportunidade de elaborar sob um aspecto fundamentalmente deficiente na “Metodologia“. Seria injusto insinuar um “determinismo“ strictu sensu somente a partir do uso da palavra “determinar“, mas, que nos seja permitido refletir um pouco sobre as implicâncias do termo como conceito científico e, além disso, como base para um planejamento pragmático.
“...” O fato de que, na prática, não se chega ao ideal, mas se pode somente “aproximar“ a ele, não invalida o ideal, porém faz dobrar o esforço de estudar mais e mais detalhadamente a realidade. Um sem número de “diagnósticos“, elaborados dentro dos escritórios ZEE, testemunham a inspiração nitidamente newtoniana do exercício, como sugerido na “Metodologia“.
“...” A crença no determinismo científico não é prejudicial, se aplicado a um universo que mais ou menos obedece a esse tipo de lei, como, por exemplo, a astronomia. Porém, já no começo do século XX descobriu-se, com o desenvolvimento da teoria quântica e outras, que nem a natureza não-biológica funciona assim, e muito menos a biologia, sem falar da sociedade humana .
“...” A distinção que os economistas fazem entre “risco“ (que pode ser dominado pela lei dos grandes números e o cálculo de probabilidade, tipo contratos de seguro) e “incerteza“ (pleno desconhecimento do futuro, não redutível por diagnósticos e refinamento dos conhecimentos de leis) é também útil para a discussão das conseqüências que emanam de um planejamento sem ou com insegurança “...” (Nitsch, 1998).

2.6 - O pesquisador afirma que “as conseqüências das estratégias seguidas na Amazônia são altamente inseguras, tanto com respeito ao clima global e local, como ao valor da biodiversidade e das muitas espécies ainda não estudadas ou até descobertas”, e que “sob esse ponto de vista, os maiores riscos e perigos de um lado, e as maiores oportunidades de outro lado, vão determinar as prioridades”.
2.7 - “No campo aberto do futuro não se trata de “aproximar-se“ do ponto da verdadeira “vocação“ de “cada subespaço“, reduzindo cada vez mais as opções, até chegar ao ponto “ótimo“, mas de evitar riscos óbvios e minimizar processos irreversíveis de destruição de futuras riquezas”. Emenda o autor:

“...” Por exemplo, na “Agenda Amazônia 21“ (MMA 1997) encontra-se sonoras palavras sobre “a extraordinária potencialidade da região para liderar o processo de implantação em grande escala de uma civilização moderna de biomassa...” (p. 8) e assim “reatando, a um outro nível da espiral de conhecimentos, o contato com a tradição das grandes civilizações da biomassa“ (p. 29). À primeira vista, é obviamente bonito, porém a idéia poderia facilmente inspirar os lobbys dos madeireiros, como também dos fazendeiros de oleaginosas e açúcar, para uma estratégia já, hoje e amanhã, de uso maciço da biomassa para fins energéticos. A alternativa seria de levar a sério a “matriz energética multifontes“ (p.47), também incluída na “Agenda Amazônia 21“, protegendo a biomassa na Amazônia como riqueza e Patrimônio Nacional, com valores e atributos muito além de seu uso energético “...” (Nistch, 2004).

2.8 – As considerações acima são importantes para que se possa compreender a natureza intrínseca das metodologias de Zoneamento Ecológico-Econômico do governo federal, que, somada a outras contribuições e indagações a respeito, leva ao entendimento da problemática do ZEE amazônico. O pesquisador Philip Fearnside, em artigo sobre o desmatamento na Amazônia , já há algum tempo alerta para o avanço das fazendas de oleaginosas e dos empreendimentos madeireiros, cujos setores de atividades serão os mais beneficiados pelo ZEE proposto. Aponta Fearnside:

“...” Atualmente, o avanço das plantações de soja na região apresenta-se como a maior ameaça, com seu estímulo para o investimento maciço do governo em infra-estrutura, como hidrovias, ferrovias e rodovias. O desenvolvimento da infra-estrutura desata uma cadeia traiçoeira de investimento e exploração que pode destruir mais florestas do que as próprias plantações (Fearnside, 2001c). As estradas para retirada de madeira, especialmente para extração de mogno, precedem e acompanham as rodovias, tornando as fronteiras acessíveis para o investimento dos lucros do comércio da madeira em plantações de soja e fazendas para a criação de gado. A extração da madeira aumenta a inflamabilidade da floresta, levando às queimadas do sub-bosque que colocam em movimento um ciclo vicioso de mortalidade de árvores, aumento da carga de combustível, reentrada do fogo e, por fim, destruição total da floresta. O que começou como um desmatamento não detectado conduz a um estrago detectável como desmatamento nas imagens de satélite Landsat (Cochrane et al., 1999; Nepstad et al., 1999b). A infra-estrutura de transporte acelera a migração para áreas remotas e aumenta o desmatamento de propriedades já estabelecidas. O programa Avança Brasil, um pacote de desenvolvimento para o período de 2000-2007, incluiu US$ 20 bilhões para infra-estrutura na região da Amazônia (Laurance et al., 2001; Nepstad et al., 2001; Fearnside, 2002a), a maioria voltada à necessidade de transporte de soja. As rodovias (...) BR-163 (Santarém-Cuiabá) e a BR-319 (Manaus-Porto Velho) (...) possibilitam o acesso a grandes blocos de floresta pouco alterada “...” (Fearnside, 2005).

3. Ordenamento do território. Para quem?

3.1 - Em relação ao ZEE enquanto representação de uma ordem territorial, Acselrad (2004) considera que “explicitamente, os mapas do ZEE “ordenam e dão ordens”; seus referentes não estão antes, mas depois de sua elaboração. Seus enunciados são mais perfomáticos do que constatativos . (...) Enquanto ato de comunicação persuasiva, a cartografia do ZEE produz imagens retóricas que constroem realidades socioespaciais novas. (...) Os signos cartográficos reordenam paisagens, submetendo-as a projetos que se pretendem subordinados a determinismos ecológicos, criando efeitos de verdade suficientemente fortes para calar dúvidas e interrogações, e, sobretudo, obscurecer, por detrás de um espaço abstrato e instrumental, a presença dos poderes da representação cartográfica e da prescrição zoneadora”. Na lição de Henri Acselrad:

Um duplo mecanismo de poder liga-se, no entanto, à produção do ZEE. Um poder que se exerce sobre as práticas do zoneamento através das exigências externas das hierarquias políticas, e um poder que se exerce pelo saber cartográfico e classificatório, pelo modo como os zoneadores criam uma concepção do espaço, ou seja, um poder incorporado à própria retórica do ZEE. Em certos momentos, entretanto, estes poderes podem se chocar, exprimindo a ocorrência de ruídos nas correias de transmissão entre hierarquias políticas e instâncias técnicas. Este foi, por exemplo, o caso do desencontro de expectativas entre a SAE e o IBGE com relação ao Diagnóstico Ambiental da Amazônia encomendado a este último. Enquanto a SAE pretendia obter uma caracterização das potencialidades econômicas contidas nos recursos naturais amazônicos, os técnicos do IBGE dispunham-se a registrar os vetores políticos da ocupação da região, neles pretendendo incluir os conflitos e as marcas dos grandes projetos governamentais .

3.2 - Nas considerações acima pode ser vislumbrado que toda uma abordagem metodológica para zonear o espaço amazônico “termina por não reconhecer a singularidade irredutível da cultura humana”, resultante da “vontade de ajustar cada uma de suas porções a um projeto utilitário de integração mercantil ou de subordinação política ”, em “zonas idealizadas” que se mostram de todo incompatíveis com as realidades sociais existentes na região.
3.3 – Entretanto, muitas vozes têm se levantado da sociedade paraense, englobando desde representantes de movimentos sociais, cidadãos moradores das cidades da região, até chegar aos povos que convivem e vivem da floresta, como os casos das comunidades tradicionais e indígenas situadas na área de influência da BR 163, que não somente foram impossibilitados de receber informações com linguagens acessíveis acerca do zoneamento, quanto, por outro lado, não foram mobilizados no processo de participação pública, não obstante o fato de que já sofrem a competição desigual pelo território, de parte dos grupos econômicos atuantes na região.
3.4 - Um exemplo contundente é a situação das comunidades da denominada Gleba Nova Olinda I, localizada no Oeste do Estado do Pará – região alvo do ZEE em estudo. A destinação dessa área é emblemática quanto ao já comentado sobre as metodologias definidas para o zoneamento proposto pelo governo paraense, entre “o que é” existente localmente, e “o que deveria ser” proposto pelos mapas do ordenamento territorial em análise.
3.5 - Comunidades tradicionais, empresários do setor de exploração madeireira e o próprio governo do Estado do Pará estão envolvidos na disputa pelas áreas da Gleba Nova Olinda I, trazendo à tona reflexões relevantes de como se processa o reconhecimento do Estado a esses grupos sociais, ao mesmo tempo em que tenta incorporar esses últimos ao projeto do setor madeireiro da região.
3.6 – Antecedendo a lei que dispõe sobre o ZEE da região Oeste do Pará, o governo do Estado instituiu, em 06 de maio de 2005, o Macrozoneamento Ecológico-Econômico (MZEE), através da Lei nº. 6745. Este MZEE, em seu artigo 5º, definiu a Gleba Nova Olinda – palco de conflitos entre as comunidades tradicionais e os empresários madeireiros – como zona destinada à consolidação de atividades produtivas.
3.7 – Ora, a região Oeste do Pará registra atualmente uma triste realidade envolvendo casos de expropriações, violência e grilagem de terras, além de diversos e recorrentes crimes ambientais provocados por madeireiras, mineradoras e grandes plantios de soja, causados pela expansão consentida de “nova fronteira desenvolvimentista” da Amazônia. Nesta área conflituosa localiza-se a referida Gleba Nova Olinda, onde vivem 14 comunidades compostas por 266 famílias, em um território de 206 mil hectares, localizado entre o rio Aruá e o rio Maró, contíguo à Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns. Há mais de treze anos que essas comunidades tradicionais buscam serem reconhecidas pelo Estado.
3.8 – Antes da RESEX Tapajós-Arapiuns ter sido criada por decreto federal, as comunidades da Gleba Nova Olinda lutavam para que sua área fizesse parte da mesma. Porém, em 6 de novembro de 1998, a RESEX foi instituída e a área das comunidades de Nova Olinda ficou fora de seus limites. Atualmente, há um movimento dessas famílias para que seu território seja contemplado como projeto de Assentamento Extrativista, como também a reivindicação que a área onde vivem três de suas comunidades pertencentes à etnia Borari seja reconhecida como Terra Indígena.
3.9 – Desde 2002, com a chegada na Gleba Nova Olinda de empresas madeireiras, começaram os conflitos decorrentes da apropriação insustentável do meio em que vivem suas comunidades, com diversos impactos indesejáveis causados pela derrubada da floresta nativa e degradação do solo e da água, decorrentes da prática madeireira. Ressaltando-se que, ao contrário da ocupação histórica e de baixo impacto ambiental dessas comunidades, as atividades madeireiras instalaram-se com altos impactos locais, e de maneira ilegal, conforme pode ser atestado nas infrações ambientais autuadas pela gerência executiva do IBAMA do Pará (2007).

4. Sociedade civil e participação.

4.1 – Um fator preponderantemente crítico na proposta do ZEE da BR-163 é a precariedade de sua “sustentabilidade” política, pelo fato de ausência da plena participação das comunidades tradicionais e da sociedade em seu planejamento. A pretensão do ZEE quanto à administração da utilização social do espaço se deu sem a utilização dos espaços democráticos e transparentes de participação popular, de modo que garantisse a máxima difusão das informações em linguagem acessível às comunidades afetadas, e a plena participação social nos debates e nas decisões. Nesse contexto, a ausência da construção efetiva dos necessários pactos políticos para a sustentação do ZEE, acabou por se refletir no ritmo acelerado com que o governo do Estado do Pará e o MMA tentam impor ao ritmo de encaminhamento do processo, visando a aprovação sem maiores discussões da proposta de recomendação em análise, uma vez a pouca disposição observada nesses entes públicos para a promoção da efetiva participação social.
4.2 – De acordo com o analista ambiental da Gerência Executiva do IBAMA do Estado do Pará, Daniel Cohenca, em artigo intitulado Notas sobre o ZEE da BR-163 , “a lei que dispõe sobre o Zoneamento Ecológico-Econômico da Área de Influência [da] BR-163 (...), sem maiores discussões, passa rápido pela Assembléia Legislativa estadual – foi enviada em 01/11/08 e aprovada em 17/12/08 (...)”.
4.3 – É notória a também rapidez do processo no Conselho Nacional do Meio Ambiente, cuja entrada no protocolo se deu encaminhada pelo Governo Estadual do Pará em 19/12/08, e aprovada em 05/02/09 pela Comissão Coordenadora Nacional do Zoneamento Ecológico-Econômico, após então encaminhada para apreciação e deliberação do CONAMA, em 06/02/09, que deliberou pela sua aprovação em 18/02/09 em reunião conjunta entre a Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos e a Câmara Técnica de Gestão Territorial e Biomas, que então a remeteu para consideração plenária em 11/03/09, na 93ª Reunião Ordinária do CONAMA.
4.4 - Percebe-se, nitidamente, no trâmite desse processo, a pressa dos governos federal e estadual do Pará, o que impediu o ZEE de ser discutido com mais efetividade junto às comunidades tradicionais e a sociedade civil - motivo do pedido de vista da representação das entidades ambientalistas. Em seu artigo, o analista ambiental do IBAMA confirma a estratégia de detrimento da discussão participativa do ZEE em favor da celeridade do seu processo, com o seguinte depoimento:

“...” Em setembro de 2008 é realizada reunião em Santarém, em que através de ofício a SEPE/PA solicitava confirmação para participação – a confirmação deveria se dar via email, que (sic) sempre retornava por erro de grafia no ofício/convite. Dava-se a impressão de ser uma reunião fechada, pouquíssimas entidades foram convidadas para esta reunião acontecida em uma manhã de sábado.
“...” Durante a reunião, segundo o secretário [da SEPE/PA] (sic) prevista para ser apenas uma apresentação e não consulta pública, formularam-se várias críticas a pontos específicos, que demonstravam que o Zoneamento atendia muito mais aos interesses da agricultura mecanizada de extensas áreas do que ao potencial característico de conservação e desenvolvimento sustentável que esta região possui.
“...” Foi bem argumentado pelos poucos presentes que as populações tradicionais do Oeste paraense têm histórico de convivência sustentável e que a redução da reserva legal beneficiaria principalmente a grileiros e ilegais desmatadores, não sendo uma vontade da maioria da população. Em especial o artigo 10 do ZEE proposto, que previa a compensação de 100 por cento da reserva legal por áreas protegidas já existentes. Ou seja, fim da reserva legal para quem tem dinheiro para pagar ao Estado a sua compensação.
Depois soube que a discordância à proposta do ZEE BR 163 também havia ficado evidente em reunião de apresentação em Belém. Apesar disso, as notícias divulgadas pela agência oficial do Governo do Estado dava a proposta como amplamente consultada, estudada e aceita . (Cohenca, 2009)

5. Comunidades tradicionais e indígenas, direitos e equidade ambiental.

5.1 – O processo de ordenamento territorial do ZEE da BR-163 dá margem à interpretação de zonificação privilegiada à consolidação das atividades produtivas, conforme os interesses dos setores agrícola e madeireiro, em negação do pluralismo existente nessas áreas, expresso pelos povos e comunidades tradicionais e indígenas que vivem nessa região de influência. Em um primeiro momento, essa negação acontece quando o Estado do Pará não reconhece o direito dos povos e comunidades tradicionais de participar e decidir o seu processo de desenvolvimento econômico, social e cultural, em atendimento ao ítem I do art. 7º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT:

“...” Os povos indígenas e tribais deverão ter o direito de decidir suas próprias prioridades no que se refere ao processo de desenvolvimento na medida em que afete suas vidas, crenças, instituições e bem estar espiritual, e as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, deverão participar da formulação, implementação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de os afetar diretamente. (Convenção 169 da OIT).

5.2 – Em um segundo momento, após movimento de mobilização e resistência das comunidades tradicionais para reivindicar o reconhecimento de suas identidades e territorialidades junto ao Estado do Pará, este se dispõe somente a incorporar as comunidades ao projeto de destinação de suas áreas como pólos de produção madeireira, afirmando-as como zonas de consolidação produtiva, buscando convence-los da exploração florestal das áreas das comunidades a partir de planos de manejo comunitário. Assim, a opção por um projeto de desenvolvimento - expresso tacitamente no ZEE a partir da imposição de lógicas de vocações econômicas do espaço, sobrepõe-se ao reconhecimento da territorialidade, de pertencimento dos “modos de expressão, de criar e de fazer ” das comunidades tradicionais, na área de influência da BR-163.
5.3 – De acordo com a Convenção Internacional do Trabalho (OIT), o caráter participativo atribuído aos povos indígenas e às comunidades tradicionais deve, então, ir mais além da mera consulta ou mesmo da audiência pública – embora nem esses institutos tenham sido regularmente contemplados. O que se pode atestar da falta de participação da sociedade e das comunidades no processo de (i) legitimação do ZEE proposto, é a inversão da vontade coletiva pela vontade do representante, servindo para consolidar apenas os interesses privativos dos grupos hegemônicos que atuam na Amazônia brasileira.
5.4 – Em artigo acerca das distinções no campo jurídico sobre as comunidades tradicionais , a pesquisadora Judith Costa Vieira, Mestre em Direito Ambiental pela Universidade Estadual do Amazonas, discorre sobre o reconhecimento formal da existência e importância dos diversos grupos sociais na formação da identidade nacional, rompendo com a idéia de que o Brasil, a exemplo de outros lugares do mundo, é formado por uma sociedade de direitos homogêneos. A pesquisadora ensina que:

“...” O cenário político brasileiro assiste, hodiernamente, à emergência de novos sujeitos sociais coletivos que reivindicam reconhecimento perante o Estado. Tais sujeitos apresentam formas culturais diferenciadas e instituem ‘práticas sociais’ caracterizadas, principalmente, por um modo peculiar de viver. (...) Tais grupos minoritários tem recebido o nome de populações, comunidades ou grupos tradicionais “...”.
“...” Comumente, o debate em torno da luta das diversas populações tradicionais pela sua afirmação territorial frente a outros grupos, deixa de considerar o papel ativo destas populações na formulação de propostas de reivindicação no debate político, atribuindo ao poder público o poder único de dizer direitos na sociedade, o que queda por desmerecer as conquistas já galgadas por esses grupos no plano institucional “...”.
“...” Oportuno dizer, dentro desse contexto, que às reivindicações das comunidades tradicionais, além da preocupação com a terra, são incorporados outros fatores como os elementos étnicos, de gênero, de autodefinição e, inclusive, critérios ecológicos, os quais são responsáveis pelas especificidades das reivindicações.
“...” Isso significa que - para o reconhecimento do direito de permanecer em seus territórios, as comunidades tradicionais acionam argumentos que colocam a área ocupada como espaço social onde se desenvolvem suas relações e, mais que a luta pela permanência em um território qualquer, lutam para viverem do modo como socialmente construíram, do modo como tem sentido e valor viverem, e como essas práticas foram construídas num território específico - é necessário defender a permanência, enquanto grupo, na área reivindicada “...” (Vieira).

5.5 – Discussões recentes que envolvem o Direito e a Justiça com as questões socioambientais remetem à reflexão sobre novos conceitos que envolvem estas temáticas vinculadas. Como, por exemplo, à constatação de que há direitos que não servem, pura e simplesmente, mecanicamente, aos interesses das classes dominantes , entendendo-se que “os direitos humanos são um conjunto de normas que formalizam todas as reivindicações morais e políticas que, no consenso contemporâneo, todo o ser humano tem ou deve ter perante a sua sociedade. Estas reivindicações devem ser reconhecidas como “de direito” e não apenas por graça ou caridade”.
5.6 - Por esse prisma da universalização dos direitos, não se deve perder de vista a necessidade de garantir o “mínimo ético irredutível” dos direitos humanos. “A única saída para esta dificuldade é colocar, antes de tudo, o Direito de cada povo, grupo social, cultura, modo de viver, de acordo com seus valores, suas normas, sua moral, seus direitos e deveres ”. No Brasil, diferenciam-se, na população, além dos indígenas, as populações tradicionais – que incluem (...) [extrativistas], quilombolas, quebradeiras de côco babaçu, [entre outros grupos].
5.7 - Nesse contexto, a Rede Brasileira de Justiça Ambiental - RBJA, propõe o instituto da Avaliação de Equidade Ambiental como instrumento evidenciador de que as dimensões ambiental, social e cultural não podem ser avaliadas de modo separado, “uma vez que esta divisão disciplinar não é capaz de dar conta dos efeitos recíprocos e inextrincáveis entre estes domínios formalmente separados, porém empiricamente integrados”. “Por outro lado, ela somente é efetiva na medida em que haja não apenas a participação, mas sim a incorporação integral da perspectiva e da racionalidade específicas dos grupos sociais potencialmente atingidos ”. Segundo a RBJA:

Os Movimentos sociais e as populações tradicionais vêm atualmente enfrentando um grande desafio, desencadeado pelo ambicioso projeto de impulsionamento de reforço ao crescimento econômico do governo (...), o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento. Alicerçado em obras de infra-estrutura e transporte caracterizadas pela exploração intensiva de recursos naturais, o PAC vem sendo classificado por alguns economistas e organizações ambientalistas como um marco de um modelo de desenvolvimento fundado na chamada acumulação primitiva. Isto é, num processo violento de expropriação da produção familiar, artesanal, camponesa e dos povos tradicionais e indígenas, grupos sociais que têm sua base material de reprodução - os recursos naturais de uso comum – incorporada por este ‘motor de crescimento’ financiado pelo Estado e apropriado pela iniciativa privada “...”.
“...” As perspectivas diferenciadas das chamadas minorias, longe de constituírem entraves ao desenvolvimento, são justamente os vetores através dos quais se indicam os paradoxos e saídas dos graves impasses que o modelo econômico desenvolvimentista adotado vem demonstrando há pelo menos cinco décadas.
“...” Uma Avaliação de Equidade Ambiental deve focar-se acima de tudo no plano das controvérsias, que não devem ser combatidas ou obscurecidas; ao contrário, a verdadeira avaliação de equidade é aquela que assume as tensões sociais e políticas como o seu motor e permite que os diversos grupos sociais sejam envolvidos de forma equânime, participativa e democrática. A evidenciação dos conflitos serve, portanto, para municiar tanto a prática de governos democráticos como as dinâmicas de organização da sociedade no combate às desigualdades sociais e ambientais “...”. (RBJA, 2009).

6. Conclusões.

6.1 - O Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) é um instrumento previsto na Lei nº. 6938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Concebido na legislação como meio para gerenciar o território, tendo em vista a máxima proteção dos recursos e ciclos naturais, o ZEE tem sido defendido como a ferramenta indispensável a serviço do Poder Púbico para controlar os processos sociais e econômicos no território.
6.2 - Diante disso, nos últimos anos, os Estados Federados têm se preocupado com a elaboração das suas leis de Zoneamento Ecológico-Econômico. Portanto, parte-se da construção de diagnósticos técnicos muito atentos em definir a localização, quantidade e a potencialidade de exploração econômica dos recursos naturais em seus respectivos territórios, para em seguida determinar a localização dos atores com maior capacidade de exploração de tais recursos.
6.3 - O que se nota, portanto, destes processos, é uma concentração de poder nas mãos dos Estados, que se arrogam como legítimos definidores de como se vai viver no território, ou seja, definem atores e atividades segundo a potencialidade de exploração dos recursos naturais. Parte-se de uma definição de território a partir dos recursos e não das pessoas e grupos sociais que historicamente já vivem nessas áreas.
6.4 - Nesta apropriação do poder de decidir e formular espaços, o Poder Público absorve os conflitos sociais territorializados e impõe uma nova ordem ao espaço, sem, contudo, resolver o conflito. O Estado se coloca acima dos conflitos e decide o que é melhor para a área disputada, e conseqüentemente, para os atores sociais em litígio. O grande problema dessa atuação é que o Estado avalia a situação por meio de um viés economicista, pensando na exploração econômica dos recursos, a partir dos recursos para a economia, sendo as pessoas, nesta lógica, apenas aparelhos mais ou menos capazes de gerar riqueza.
6.5 - Nesse contexto, o Poder Público esquece-se de avaliar que os conflitos não são motivados apenas para ocupação de uma determinada área. Os conflitos são - e particularmente no caso da Amazônia, muito freqüentemente, motivados pelo confronto de visões de mundo de propostas diferentes de usos dos recursos, as quais entram em choque com visões de outros grupos, especialmente com aqueles que almejam lucro imediato e crescente a partir da exploração intensiva dos recursos. Os grupos tradicionais disputam não apenas os recursos, mas a possibilidade de usá-los segundo suas práticas socialmente construídas - praticas estas não necessariamente sustentadas pela lógica do mercado.
6.6 - Mesmo quando se avoca construído sob o manto da participação política, os ZEE’s - e principalmente este ZEE do Oeste do Pará, sobre o qual aqui se reflete - se baseiam em metodologias de consultas públicas que se atêm a apresentar à sociedade os planos do governo, através de um linguajar técnico em um espaço de tempo diminuto. As propostas apresentadas nesses espaços têm a função de “orientar o Poder Público”, mas quem efetivamente decide o conteúdo do ZEE é o Estado.
6.7 - Não é recomendável a ingenuidade de ignorar que os aparelhos e órgão estatais constituem em espaço de disputa política, e que os grupos que estão mais representados nesses espaços terão seus interesses protegidos. Portanto, pensar um instrumento político de tamanha magnitude como o ZEE, é pensar que vários grupos sociais estão sendo alijados dos processos decisórios, pois, ao abrir espaço para a exposição e negociação de interesses tão divergentes sobre o mesmo território, o ZEE deixa de considerar interesses específicos que nem sempre representam a maioria das votações deliberativas.
6.8 - No que tange ao ZEE, é difícil deixar de pensar nesses recortes autoritários do território, uma vez que os zoneamentos são criados levando em consideração critérios políticos administrativos como circunscrição de um Estado-Federado, uma Amazônia demarcada na lei, ou a zona de influência de uma rodovia. Portanto, estes critérios existem nos projetos governamentais e nos documentos legislativos e não na realidade vivenciadas pelos grupos sociais, pois não podemos esquecer que várias comunidades tradicionais constroem seus territórios à revelia das circunscrições territoriais, podendo ser encontradas em territórios que abarcam mais de um município, mais de um Estado e até mesmo mais de um país.
6.9 - O que se quer dizer é que um processo de planejamento político deve partir dos grupos sociais, de uma completa indicação de que são esses grupos, de onde vivem, quais as lógicas de ocupação territorial e quais interesses são por eles defendidos - e como melhor proteger tais interesses, e não de territórios idealmente imaginados como o são as circunscrições administrativas ou as definições de recursos naturais.
6.10 - Essa conjuntura de planejamento territorial por meio do ZEE é especialmente perturbadora no Pará, pois às circunstancias acima elencadas que cercam o planejamento em si, são somadas medidas federais de apoio à ocupação e exploração da Amazônia, com a previsão de grandes obras de infra-estrutura e de ocupação territorial. O que se constata é que tais medidas, ao invés de conter os avanços econômicos para a região, se prestam mais a gerá-las.
6.11 - É de conhecimento Público as mazelas sociais que vem ocorrendo neste Estado, com o avanço de práticas econômicas altamente concentradoras de terras, como o são a pecuária, as monoculturas da soja, arroz e das atividades de exploração madeireiras, em um território onde a situação fundiária ainda não tem uma completa definição.
6.12 - As lutas por reforma agrária, ou por reconhecimentos territoriais coletivos , crescem diretamente proporcionais ao avanço destas grandes atividades econômicas. A falta de controle do Poder público sobre seu território tem gerado a formulação de soluções legislativas de caráter duvidoso, que tem servido mais para consolidar essas atividades do que para proteger o pequeno agricultor ou os grupos tradicionais.
6.13 - Neste contexto de proteção de interesses economicistas e desenvolvimentista para a região norte, a MP 458 , que “dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal”, é uma legalização e incentivo à grilagem das terras públicas; as recentes propostas em curso de flexibilização da legislação ambiental, para a construção de grandes empreendimentos hidrelétricos e rodoviários, entre outras, são também formas de apropriação territorial, pois que determinam quem e onde os atores vão se instalar, pois estas obras se consubstanciam em infra-estrutura necessária a fixação de determinadas atividades econômicas, principalmente as explorações minerais, as quais também geram expropriações com a introdução de novos atores ocupando os espaços geográficos, expulsando os antigos moradores. Este também está sendo o caráter das criações das Florestas Nacionais e Estaduais, que visam possibilitar a exploração madeireira mais do que proteger as comunidades tradicionais.
6.14 - No que tange à problemática ambiental, a lógica de incentivo à ocupação intensiva é a mesma, pois o discurso ambiental também tem servido para promover a ocupação do território por meio da escolha de práticas mais racionalizadas de usos dos recursos. Assim, para diminuir a exploração ilegal de madeira propõe-se uma lei de concessão de florestas públicas. A floresta pública é colocada à disposição da exploração para que seja evitada a exploração ilegal. Ou então, para se acabar com o desrespeito à limitação das reservas legais na Amazônia, propõe-se a diminuição dessas áreas hoje protegidas. As concessões ambientais aumentam para diminuir a falta de cumprimento à legislação ambiental, e, portanto, as soluções engendradas para os problemas ambientais dirigidas pelo Estado vão ao encontro do aumento da exploração dos recursos naturais.
6.15 - Portanto, é neste quadro de disputa territorial que se insere a proposta do governo do Estado do Pará de reduzir a Área de Reserva Legal das propriedades localizadas ao longo da BR- 163. Consideramos que tal proposta se traduz em um incentivo ao desmatamento, considerando que novas propostas de redução e concessões nas limitações ambientais encontraram aqui um forte precedente, além, é claro, de ser um premio àquele proprietário que nunca respeito às determinações legais de proteção da Reserva Legal.
6.16 - Além disso, ainda no que tange à redução da Área de Reserva Legal da Amazônia, visualizamos em futuro próximo um aumento nos conflitos fundiários decorrentes dessa medida governamental, pois, ao se manter o percentual de 80 por cento para o restante do território paraense, enquanto que ao longo da BR-163 será de 50 por cento, isso poderá gerar uma procura desenfreada por estas terras, onde se poderá explorar mais. Assim, haverá a expulsão e expropriação dos pequenos agricultores e grupos tradicionais desses territórios por grupos com interesses econômicos poderosos.
6.17 - Portanto, essa medida encerra, como objetivo, atrair mais investimentos e mais ‘supostos donos’ para a região, obedecendo a um modelo de incentivos fiscais e ambientais para atrair grandes capitais nos moldes já executados pelos governos ditatoriais brasileiros, cujas conseqüências ainda verificamos nos problemas sociais dos grandes enclaves econômicos e na intensificação da apropriação desordenada do território amazônico.

7. Recomendações.

RECOMENDAMOS AO CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, o retorno da matéria à Câmara Técnica de Gestão Territorial e Biomas, para que se aguarde a REALIZAÇÃO DE TRÊS (03) AUDIÊNCIAS PÚBLICAS para discussões e tomadas de decisão democráticas sobre os elementos de metodologia do ZEE enquanto instrumento de ordenamento territorial, de maneira que essas Audiências Públicas contribuam para alterar a correlação de forças sobre o zoneamento pretendido, fazendo valer as perspectivas diferenciadas dos grupos sociais atingidos. Após a realização das audiências públicas recomendadas, e sistematizadas as alterações necessárias no ZEE em estudo, o mesmo então voltará ao encaminhamento processual no CONAMA a partir da CT de origem.

Como recomendação essencial do Relatório, entendemos que a participação da sociedade civil deveria ter começado na concepção do planejamento do ZEE. Uma vez que a participação da população não foi considerada na definição estratégica do planejamento proposto, RECOMENDAMOS:

7.1 - A realização de uma Audiência Pública em Santarém, cidade-pólo da região Oeste do Pará, e uma em Belém, capital do Estado, a serem planejadas e executadas por grupo assessor a ser temporariamente criado pelo CONAMA para este fim específico, de maneira que possibilitem redefinições sobre as metodologias de planejamento adotadas, garantindo o debate amplo sobre o zoneamento, e respeitadas as realidades socioculturais locais;

7.2 - A realização de uma Audiência Pública em Brasília, Distrito Federal, onde o ZEE deverá ser finalmente apresentado, já com as modificações discutidas e decididas com a acolhida das propostas dos grupos sociais locais, permitindo a inclusão de critérios de equidade ambiental e social;

7.3 - Considerando os distintos modos de vida e lógicas socioculturais locais dos diversos segmentos sociais envolvidos no processo do zoneamento, deve ser realizado um levantamento participativo das realidades culturais, sociais, políticas e econômicas de todos os grupos presentes no território, garantindo a participação dos segmentos sociais afetados nas discussões e durante a pesquisa;

7.4 - O processo de revisão de metodologias e das pesquisas referidas no ítem três acima, deve ser supervisionado pelo Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual do Pará;

7.5 - As audiências públicas devem ser realizadas garantindo a participação da população potencialmente atingida na elaboração do planejamento das mesmas, de forma transparente e inclusiva. O Ministério Público Federal e Estadual deverão participar da organização e realização das audiências públicas, de modo a garantir o direito de participação e expressão aos grupos sociais atingidos e organizações não governamentais de apoio;

7.6 - O objetivo das audiências públicas é o envolvimento dos grupos sociais desconsiderados nos processos decisórios do ZEE, para garantia dos seus direitos previstos na Constituição Federal brasileira de 1988;

7.7 - O acesso e a apresentação das informações deverão ter realização em forma adequada para os grupos sociais interessados. A linguagem técnica do ZEE impõe um modelo exógeno de comunicação cujos significados não são captados por aqueles que a desconhecem. De maneira que, antecedendo as audiências públicas, o Governo do Pará deve produzir e divulgar informações utilizando técnicas audiovisuais, além da escrita, em linguagem acessível à população.
O Governo do Pará deve também levar em conta as restrições da população, principalmente dos grupos sociais vulnerabilizados pelo zoneamento, no acesso as informações devido à localidade da exposição e o formato da apresentação. Os documentos do zoneamento devem ser disponibilizados de forma desburocratizada e gratuita, garantindo a publicização e o acesso às informações.

É o Relatório.

Brasília, DF, 25 de abril de 2009.



Álvaro Fernando De Angelis
Presidente da Comissão Permanente Nacional de Entidades Ambientalistas - CP CNEA
Conselheiro do CONAMA / Representante da Fundação Rio Parnaíba - FURPA